domingo, 17 de outubro de 2004

O maior de todos

Trilha: Kissing You - Des’ree

São Pedro do Riachinho. 140 habitantes. Já se pode imaginar o tamanho. Pra chegar, muito buraco, muita lama e quatro horas de dor de cabeça, tendo apenas a paisagem por consolo. Recepção de estrelas na chegada. Olhares curiosos se amontoavam pra ver o pessoal da cidade, que chegava cheio de malas, roupas coloridas, óculos escuros e alguns até de tênis! Deveria ser mais uma cidadezinha do interior, mas não era. Neste lugar aflorou, cresceu e se afirmou O Maior Amor.

A diferença do lugar talvez estivesse no cheiro. Cheiro de paz e de afeto. Uma mistura de pão no forno com leite fresco e a tradicional bosta de vaca. Provavelmente é a tradução perfeita da mistura entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais. De dia, sol e calor, banho de cachoeira, cerveja geladíssima e muito beijo na boca. À noite, chuva, raio, um medo cheio de charme e muita sinfonia de estrado.

Entre um passeio e outro, coisas surpreendentes. Lago de trutas, um gavião solitário, bezerros agindo como cães de guarda e no meio da festa, um vira-lata corre de um homem que late furiosamente.

Cada olhar era um alvorecer. Apenas a magnitude das montanhas era capaz de reconhecer o esplendor de um amor tão surpreendente, que insistia em crescer contra todas as especulações.

Ele um homem bonito, cuja a presença já era suficiente para atrair atenção. Dono de uma inteligência ímpar, caráter irrepreensível e muito charme. Agia de forma um tanto impulsiva, ar de moleque. O jeito de mexer no cabelo era puro descaso com as mortais e um sorriso que era um permanente atentado ao bom senso alheio.

Ela atormentada pelos próprios erros, com uma certa vergonha de ter construído os três anos anteriores, baseados em enganos e futilidades só percebidas diante da novidade. Olhar de veneração e o coração impregnado por um sentimento nelsonrodrigueano de esperar a tragédia no próximo minuto. Entregava-se na cama com paixão ardorosa, sem hesitação nem muralhas e incandescia aos menores toques do amante.

Ele a abraçou pondo seu coração à mostra enquanto ela sentia todo seu corpo extenuado de precipitação. Os lábios se tocam com suavidade até os dentes morderem vorazes enquanto a língua passeava pelos anseios. Ela a deita gentilmente, os olhos fixos nos dela. Ela geme baixinho, implora que a possua depressa, antes que o mundo se acabe, antes que a vida termine, e pro inferno a luta do feminismo contra a submissão, ele insiste em perdurar cada afago, precisa ensinar quem está no comando, ela sente que vai chorar. As mãos deslizam por seu corpo, os dedos apertam seu seio e procuram os portões da definitiva insanidade. O instinto dela aflora quando o agarra pelos cabelos e finalmente o faz penetrar seu corpo, com um desejo já incontrolável. Impossível distinguir o predador, ambos com sangue escorrendo do peito, dos braços e nuca... As bocas não se separam e os corpos seguem líquidos e densos como mercúrio, mesclando e turvando-se na mais furiosa das tempestades. Ondas elevam o desejo, o navio parece prestes a naufragar quando finalmente o maior dos amores que já existiu irrompe, numa indiscritível cena de loucura em que ambos se arranham e mordem em desespero de medo, de prazer e o que se escuta é a mais pura tradução do lado feroz e impiedoso da natureza. Ah, os violinos finalmente! Ela de alma desabada em prantos e ele repete sem parar “eu estou aqui”.

Essa paixão foi por demais impiedosa. Não teve pena do estrago causado a ambos. Já era impossível permanecer passivo e mais de um metro era saudade. Realmente nada havia de concreto capaz de unir pessoas tão diferentes. Porém cada nuance de personalidade traduzia-se em necessidade de descobrimento.

Mulheres e seus sentidos! Chegou a hora. Preparou-se para a fatalidade com parcimônia, concentrada no silêncio dos grilos dentro da noite. Ele se aproximou, antecipando toda a dor. Já choravam. “Não posso fazê-la sofrer. Acabou.”. A peste e a destruição dizimavam-na enquanto por dentro implorava. E assim ele andou calmamente levando o sol, como se ainda escrevesse o prelúdio desta morte anunciada. Imersa em seu amor, ele partia a cada vez que ela respirava, doía demais, mesmo para enlouquecer. Permaneceu imóvel, seus sonhos definhando junto com as cinzas que sufocavam a grama. Certa de que esse era o grande amor, seu maior desespero eram os dias no futuro, pelos quais se arrastaria inerte, sem poder exercer toda a paixão que haveria de permanecer exatamente onde estava. Para empre.

De manhã, só restaram as pegadas do gado no barro, uma sombra condenada a vagar pela memória e o horizonte insondável de uma solidão montanhosa. E um esboço de mulher... carregando um amor tão imenso que a impedia de morrer.

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