segunda-feira, 5 de dezembro de 2005

GUARDE UM DIA DE SOL

Carta Vieja, Syrah, Chile. 2002.

Dentro da taça o vermelho escuro cintila.
Desceu e subiu as escadas da casa vazia centenas de vezes, procurando um não-sei-quê. Ia olhando as paredes como se, de dentro do branco fastioso e hipnótico, fosse ver projetado um filme, em super-8, lembrando o tempo em que foram felizes juntos, só os dois. E agora, José, meu Deus, meus sais, minha nossa, e agora?
Na segunda taça, revirou pilhas de CDs, procurando, procurando... silêncio. Não tinha lamento compatível pra ser trilha de tanta dor. Lembrar de comprar trilhas de filme, são boas nessas horas.
Na terceira, discou o mesmo número umas cinco vezes. Só tentou realmente completar a ligação na última vez e ainda assim desligou antes de saber se ia chamar, se ele ia atender, se o maldito ia tocar ou não.
A quarta taça atinou a pergunta... a garrafa vai toda? E se não for, como guarda isso? Tá um calor, se sobrar é melhor pôr na geladeira, junto do Gatorade.
A quinta taça entornou um pouco na hora de servir, porque o tal super-8 piscou na parede. Era uma cena besta, que provavelmente nem aconteceu. Os dois riam, muito, muito, aos cochichos, enquanto sombras em volta faziam pequenos muxoxos e gozavam da falta de graça da piada que só os dois entenderam. O mesmo riso cúmplice ganha outro fundo e são os dois na beira de uma lagoa, cor de sépia e em dia de sol. O filme teimava em travar quando as lágrimas desciam e ela evitava a todo custo chorar, engolindo a ausência pra não perder a graça daquela cena infantil que era a cara do amor dos dois.
Na sexta taça ela simplesmente quis morrer. O despertencimento, que é, reparem bem, categoria totalmente distinta da perda, porque esta passa e o outro se arrasta pra sempre, faz parte de seu sempre. E se ele esquecer do Pequeno Príncipe e largar o coração dela por aí, numa mesa de bar ou noutro engano qualquer? O coração já tão castigado, coberto de hematomas e lanhos, vai parar certamente de bater.
Na sétima taça, chorou tanto, quis colo, acendeu dois cigarros ao mesmo tempo e deixou os dois queimarem inteiros e teve que acender um terceiro, sofreu, não pode, não pode...
Encheu a oitava taça e pensou que se ele guardasse desse amor um único momento que o fizesse sorrir com aquele conhecido calorzinho no peito, não teria sido tudo em vão. Pegou papel e caneta, escreveu um bilhete: “Guarde um dia de sol”. Colocou num envelope, com uma das muitas fotos guardadas dos dois, sempre cheias de tanto bem-querer. Desenhou uma rosa vermelha na frente e deixou sobre a cama. Serviu-se da nona taça, que bebeu aos soluços pra conseguir engolir todos os comprimidos tarja preta do estoque mantido na escrivaninha, segunda gaveta da esquerda, de baixo pra cima.



Jamais comente o passado, siga os conselhos de Dalva.
Não há xampu, não há creme, que apague ou que desmarque
da tua pele o meu beijo fedendo a conhaque...

(Dois bombons e uma rosa, no CD Vida Noturna, de Aldir Blanc)


Telegrama
Toledo, diz pro Marco Aurélio e pro Miguilho que o CD não pára de receber elogios. Eu sei que vcs estão tão orgulhosos como nós estamos. Eu amo vocês. Beijos pro Roberto, vê se faz chegar também pro Ronald e pro Gilberto. Fala pra Dona Helena que o cara é foda e que as rezas continuam chegando sempre, como não poderia deixar de ser. Té já.

VIDA NOTURNA

Como não consigo postar imagens, veja capa, listagem, links, matérias e fotos de estúdio em http://branca.multiply.com
Divirta-se! ;)

segunda-feira, 7 de novembro de 2005

Qual o diretor do filme da sua vida?


Quentin Tarantino

Your film will be 53% romantic, 29% comedy, 44% complex plot, and a $ 43 million budget.

Wow! What a life you have led thus far! Action-packed, anti-social with probably dark humor. Quentin hasn't really made many films, but each successive one is a bigger and grander project ... and more violent. Karate CHOP! Your life story will probably star Michael Madsen, Uma Thurman, or some TV or movie star from the 1980s for which your film will be the comeback -- let's say Emilio Estevez. Maybe. Now that the QT is dating Sofia Coppola, maybe he'll get some tips about putting some lump-in-the-throat romantic moments in his films. Quentin's short directing resume includes Reservoir Dogs, Pulp Fiction, Jackie Brown, and Kill Bill Vols. 1 & 2.












My test tracked 4 variables How you compared to other people your age and gender:
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You scored higher than 52% on action-romance
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sexta-feira, 28 de outubro de 2005

Té logo, Roberto...

Eu não agüento mais. Esse ano precisa acabar. É o quarto amigo que se despede em menos de seis meses. Chega...


http://www.abi.org.br/primeirapagina.asp?id=1222


O adeus a Roberto Moura

José Reinaldo Marques
27/10/2005



A mensagem de Tereza Cristina comunicando — “com uma dor profunda no coração e na alma” — o falecimento do marido, Roberto M. Moura, e convidando para o velório no Memorial do Carmo pegou de surpresa os amigos do jornalista, que, aos 58 anos, morreu ontem no Rio, vítima de dengue hemorrágica.

Sócio número 1.672 da ABI, onde ingressou em 1977 e também era membro efetivo do Conselho Deliberativo, Roberto Moura faleceu às 20h no Hospital São Lucas, em Copacabana, onde havia sido internado.

Além de sua mulher, do casal de filhos e outros parentes, compareceram ao funeral de Roberto, no Cemitério do Caju, dezenas de amigos, alunos e ex-alunos das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), jornalistas e representantes da ABI, como o Presidente da entidade, Maurício Azêdo; a Diretora de Jornalismo, Joseti Marques; e os Conselheiros Sérgio Cabral, Amicucci Gallo, Domingos Xisto e Chico Paula Freitas. Joseti Marques lamentou a perda do amigo e lembrou que o diagnóstico de dengue hemorrágica deve levar os jornalistas a se empenhar em uma pauta investigativa para saber como foram empregadas pelo Estado e o Município as verbas do SUS destinadas à prevenção de epidemias da doença, que geralmente ocorrem no verão:
— Perdemos o Roberto, que era nosso amigo querido, mas temos que continuar nos preocupando com aqueles que não conhecemos e dos quais o jornalismo se ocupa.

Também estiveram presentes músicos, produtores culturais, pesquisadores e professores — entre eles a museóloga Lygia Santos, filha de Donga, e o jornalista José Carlos Rego, ambos membros do júri do Estandarte de Ouro do Globo, que Roberto integrou por 28 anos; o compositor Sílvio da Silva Júnior; o violonista Cláudio Jorge; e Moacyr Luz, que comentou:
— Eu teria muitas coisas para falar do Roberto, inclusive menciono no meu livro (“Nos butiquins mais vagabundos”) que ele foi o primeiro jornalista a citar meu trabalho como compositor. Era um grande amigo de bar, de samba e de projetos. Fizemos vários trabalhos juntos, como “O samba falado”, e atualmente ele estava cuidando do roteiro do show de lançamento do meu CD “Voz e violão” e do projeto “Sedução e voz”. Acima de tudo, Roberto era meu companheiro de toda hora, vou sentir muita falta desse parceiro que era a cara da cultura do Rio.



Muito emocionado, Sérgio Cabral exaltou o trabalho de Roberto Moura como pesquisador da MPB:
— Era um brilhante analista da nossa música e da cultura popular de maneira geral. Roberto conhecia o tema e escrevia sobre ele com absoluta profundidade.

Roberto M. Moura foi diretor de espetáculos, produtor e crítico musical. Atualmente, além de dar aulas nas Facha, era comentarista de programas da TV Educativa e colunista do ABI Online e da Tribuna da Imprensa. Mestre em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Doutor em Música pela UniRio, escreveu os livros “Carnaval — da Redentora à Praça do Apocalipse” (Jorge Zahar, 1986); “MPB — Caminhos da arte brasileira mais reconhecida no mundo” (Vitale, 1998); “Praça Onze — no meio do caminho tinha as meninas do Mangue” (Prefeitura do Rio/Relume Dumará, 1999); “Sobre cultura e mídia” (Vitale, 2003); e “No princípio, era a roda” (Rocco, 2004).

Para Iris Agatha, que foi sua “foca” no Diário de Notícias e colega no jornal Última Hora e na Rádio MEC, Roberto Moura foi “um grande mestre de brasilidade”. Para a também jornalista Zilmar Basílio, que foi aluna de Roberto na Facha, “esse carioca da Praça Onze fez da sua vida uma grande contribuição para a cultura da cidade do Rio de Janeiro e deixou marcas importantes dessa mesma cultura para o nosso País”.

domingo, 23 de outubro de 2005

SIM OU NÃO SEM TALVEZ

E que ninguém se engane: quem venceu não foi uma frente parlamentar, um publicitário competente, uma campanha agressiva, o conservadorismo, a direita, nem foi a esquerda que perdeu, nem uma campanha arrogante que jogou tudo por água abaixo, não foi a derrota da paz.
Esse referendo marcou a vitória do ruído.

quarta-feira, 19 de outubro de 2005

**suspiro**

Luís, o Filipe, mandou do Luís, de Camões e, pra variar, mesmo no escuro acertou em cheio.

MUDAM-SE OS TEMPOS, MUDAM-SE AS VONTADES

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o Mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

sábado, 8 de outubro de 2005

Puxadinho

O Cartas ganhou um puxadinho em http://branca.multiply.com
Lá tem álbum de fotografias, faixas dos textos com trilha sonora e outras coisitas más.
Divirtam-se.

terça-feira, 4 de outubro de 2005

What kind of kiss are you?

entrancing
You have an entrancing kiss~ the kind that leaves
your partner bedazzled and maybe even feeling
he/she is dreaming. Quite effective; the kiss
that never lessens and always blows your
partner away like the first time.

What kind of kiss are you?

segunda-feira, 3 de outubro de 2005

À VIDA NOTURNA

Hugo Sukman
02/10/2005


Aldir Blanc grava disco e retoma histórica parceria com João Bosco

Quando João Bosco chegou ao estúdio o Aldir já estava lá. E também o Helinho com seu violão, o Cristóvão ao piano e o Mello, lápis, papel e prancheta em punho, desenhando tudo para uma futura capa.

Lá pelas tantas, depois de uns uísques já tinha até nego vendo a Elis lá, ouvindo tudo num canto, ou o falecido poeta Paulo Emílio chorando em outro, enquanto João e Aldir mandavam o samba em sua homenagem: “Eu gosto quando alvorece/Porque parece que está anoitecendo/E gosto quando anoitece que só vendo/Porque penso que alvorece/E então parece que eu pude/Mais uma vez outra noite, reviver a juventude/Todo boêmio é feliz/Porque quanto mais triste/Mais se ilude...”.

Não, isso não aconteceu em 1977 quando, no auge de sua parceria com Aldir Blanc, João Bosco gravou esse samba, “Me dá a penúltima”, no disco “Tiro de misericórdia”, com Hélio Delmiro na guitarra, Cristóvão Bastos ao piano e capa do artista plástico Mello Meneses (Elis Regina, principal intérprete da dupla, provavelmente passou no estúdio para visitar; Paulo Emílio, parceiro de João e Aldir, estava sempre por lá...).

Aconteceu, tudo inacreditavelmente como antes, ao anoitecer da última quinta-feira, num estúdio em Copacabana. Aldir Blanc gravava seu primeiro disco solo como cantor e seu parceiro João Bosco chegou para fazer uma participação. Ia cantar com Aldir e tocar, como fez, o samba- canção que dá título e conceitua o disco, “Vida noturna” (do LP “Galos de briga”, 1976). Mas veio de casa com essa surpresa, um arranjo novo de “Me dá a penúltima”, que acabou entrando no disco e fazendo todo mundo chorar ao fim da gravação rápida, impecável, de primeira.

— Depois dessa estou no limite emocional — confessou Aldir, do cubículo oculto no estúdio onde ficava seu microfone, ecoando o sentimento geral.

CD privilegia o cantor Aldir

Limite emocional viu-se a partir dali. Finda a gravação, João informalmente pegou o violão e surpreendeu a todos cantando a primeira música que ele e Aldir fizeram juntos após 20 anos da interrupção de parceria e amizade mais lamentada da história da MPB e que agora reencontrou de vez o prumo.

Trata-se do magnífico samba-canção “Mentiras de verdade” (letra ao lado), sobre a parceria dos dois, a briga e finalmente o reencontro. É primeira música que os dois fazem juntos desde a épica “As minas do mar”, de 1983 e lançada só em 87. “Quero esquecer de mim, ser mais você, menos do que eu...”, confessa Aldir, numa homenagem a essa forma de amor fraternal chamada parceria.

— As nossas parcerias transcendem o negócio da música — dizia Aldir, na conversa solta entre ele, João e seu mais constante parceiro atual, Moacyr Luz, aliás produtor e idealizador do seu disco solo. — Eu sou profundamente ligado aos meus parceiros. Se eu pudesse resolver a dor nas costas do João ou a dor na barriga do Moacyr, renunciando para isso a tudo que nós fizemos em música, eu não vacilaria um minuto.

“Mentiras de verdade”, que tem direito até a elegante citação a Tito Madi (“Mentira, foi tudo mentira...” ) não está no disco que Aldir acabou de gravar ontem. Estará junto com outras parcerias novíssimas da dupla, no CD de inéditas que João grava em fevereiro para o selo independente MP,B.

“Vida noturna”, o disco de Aldir, sairá ainda este ano pela Lua Discos, gravadora paulista que lança os discos de seu parceiro Moacyr Luz. A idéia de Moacyr, como o samba-canção-título indica, nasceu do convívio boêmio com Aldir.

— A gente tem a idéia desse disco há muito tempo — explica Moacyr ainda com a voz embargada pela experiência da gravação. — Quando todo mundo vai embora no fim da noite, vem o Aldir e pega o violão. E caramba, meu Deus, que histórias que ele canta. Histórias de noite, de chão. Aquele troço inusitado e espontâneo que há aí tinha que ser registrado.Além de “Vida noturna”, “Me dá a penúltima”, “Cordas” (com Guinga, já gravada por Leila Pinheiro), o bolero “Causa perdida” (com Rosa Passos, regravada por Alcione) e o clássico “Resposta ao tempo” (com Cristóvão Bastos, sucesso de Nana Caymmi), todas as outras músicas são inéditas. E inéditas de Aldir e parceiros muito em forma, o que fez João Bosco, depois de ouvir as novas músicas de Aldir, arriscar uma análise da obra do parceiro.

— O Aldir canta as histórias que ele inventa como ninguém — dizia João. — Ele observa o mundo que está em volta dele, a vida que está acontecendo e nada escapa ao Aldir. Ele faz isso com um brilhantismo de quem não teme a morte. Ele canta a vida o tempo todo e só utiliza a morte quando precisa dela para fazer um verso. A morte para ele é o trecho de uma calçada onde ele cai. A morte coincide com o paralelepípedo e é apenas um detalhe do cenário. Ninguém mais consegue escrever com essa total liberdade de alguém que não teme nada.

João se refere a coisas como o desmedido amor contido em “Dois bombons e uma rosa”, letra e rara música de Aldir, que diz: “Não há xampu, não há creme/Que apague ou que desmarque/Da tua pelo o meu beijo/Fedendo a conhaque”. Ou do soco-no-estômago “Lupicínica” (parceria com Jayme Vignolli) e seu cheiro de morte ao relembrar um amor por uma enfermeira do Salgado Filho “com a chama vital de Ana Karenina”: “Aquela mulher que dosava o soro nas veias dos agonizantes/Não teve sequer um calmante pra dor sem remédio/Que aflige os amantes”.

— Essas coisas acontecem num mundo blanquiano, único — diz João. — Essa poesia, essa generosidade, essa visão de mundo, essa loucura que mistura Tolstoi com esparadrapo, tudo isso é ele. E quando ele canta, canta assim.

Os parceiros, mesmo desfrutando da intimidade de ouvir Aldir cantar nas rodas boêmias, surpreendem-se de como ele está cantando bem.

— O Aldir nem precisava cantar como um cantor, ele é um criador e tudo se resolve a partir daí. Mas ele cantou como nunca vi em todos esses anos de convívio — testemunha Moacyr, emocionado com o fato de estar dando esse presente ao parceiro.

Mocyr concebeu um disco só de piano (sempre Cristóvão Bastos) e violão (normalmente João Lyra, mas com participações de Hélio Delmiro, Guinga e João Bosco nas suas composições), valorizando as músicas e o universo blanquiano. Como a primeira e histórica parceria de Aldir e Hélio Delmiro, “Constelação maior” (letra ao lado), uma lírica ode amorosa ao seu cachorro.

Aldir só gravara outros dois discos na vida, o histórico álbum duplo em parceria com Maurício Tapajós em 1985 e o CD comemorativo aos seus 50 anos em 1996. Emocionado depois de quase enfartar ouvindo o solo de Hélio Delmiro, Aldir tenta explicar por que resolveu sair da toca.

— Eu fiz 59 anos e tenho alguns problemas de saúde. Ao mesmo tempo minha vida nunca teve tanta beleza. Eu nunca gostei tanto de uma mulher como eu gosto da Mary (Sá-Freire, sua mulher há 20 anos, que chorava ao lado enquanto Aldir dizia isso). Eu gosto muito mais das minhas filhas, eu vejo também as duas que morreram em volta de mim. Eu tenho quatro netos que me suavizaram em relação a coisas que principalmente o João conhece bem, que é uma agressividade terrível. Eu fiz questão de vir aqui gravar o disco para que tudo isso não se perca.

Aos 59 anos, Aldir começa uma nova vida no auge da sua poesia e de sua voz, cercado pelos parceiros, até mesmo o que era impensável há tempos atrás, João Bosco. Os dois são prova de que sempre se pode começar vida nova.

Jornal: O GLOBO
Editoria: Segundo Caderno
Página: 1
© 2001 Todos os direitos reservados à Agência O Globo

Do disco novo do Aldir

Amei
uma enfermeira do Salgado Filho,
paixão passageira, sem charme nem brilho,
roteiro batido, romance na tarde.

E aí, numa seresta na Dois de Dezembro,
me perguntaram por ela: “- Nem lembro...”,
eu respondi com um sorriso covarde.

Ouvi - que bofetada! - “Morreu duas vezes.
Uma aqui e agora, a outra há seis meses”.
Balbuciei: “- Morrida ou matada?”

“- Depende do seu conceito de assassinato.
Um pobre amor não é amor barato.
Quem fala de tudo não sabe de nada.”

II
Na rua do Tijolo, bloco 5, aquele de esquina,
morou uma enfermeira com a chama vital de Ana Karenina.

Dirá um dodói que Tosltói era chuva demais pra tão pouca planta.
Ô trouxa, heroínas sem par podem brotar na Rússia ou lá em Água Santa...

Aquela mulher que dosava o soro nas veias dos agonizantes
não teve sequer um calmante pra dor sem remédio que aflige os amantes.

Por mais que a literatura celebre figuras em vã fantasia
ninguém foi mais nobre que a Pobre da Enfermaria.

LUPISCÍNICA (Dedicada a Valmir Gato Manso) Jayme Vignoli / Aldir Blanc




Tenho um fiel companheiro
que vigia meu lar.
Tantos me dirão: quem é?
Mas não vou nomear.
Ele é bonito
e a minha garota
o recebe em seu leito
Eu mesmo às vezes
abro mão do orgulho
e com ele me deito.
Assim é o amor que ignora
simplórias fronteiras.
O bom-bocado conhece a medida do fel.
Ciúmes tenho mas eu renuncio.
Coisas maiores existem entre os três:
sabor antigo pela primeira vez...

CONSTELAÇÃO MAIOR, de Hélio Delmiro e Aldir Blanc



Assoviei, fingi à beça,
fiz promessa e o amor não some
Criei um muro e a mesma fome
morde os braços do adeus.
Com a boca eu me despedi,
minhas mãos desdisseram: não, não...
“Mentira, foi tudo mentira,"
você me enganou
Verdade, foi tudo verdade,
eu hoje admito:
somos um mito, sim,
maldade e carinho
ternura sem fim,
num laço,
coleira de cetim...
Quero esquecer de mim,
ser mais você, menos do que eu.
Verdade e mentira que o amor entre nós reviveu
— E um breque é coisa nossa num samba-canção porque...


MENTIRAS DE VERDADE, João Bosco e Aldir Blanc

sábado, 17 de setembro de 2005

Sagração à inteligência

(para Fernando Toledo)
Áurea Alves

Poderiam meus braços ser mais longos a ponto de se estender por 420 km e alcançá-lo. Poderia o livro do lado tê-lo prendido por mais alguns minutos. Poderia um amigo tê-lo chamado para discutir literatura russa ou a dicotomia existente no ambíguo mundo das HQs. Talvez um novo invento, a reinvenção do País, talvez algo pudesse mudar. Talvez a força de um super-homem virando o mundo e o tempo, no supra-sumo da imaginação, movido pelo amor piegas e pela ignorância completa da Física. Talvez apenas eu pudesse gritar-lhe o nome avisando que chegara para encontrá-lo.

Poderia apenas contê-lo eufórico diante do microcomputador para escrever um artigo sobre Mahler ou James Joyce. Talvez um chamado, o gritar de alguém, pudesse acordá-lo, ineditamente, como nunca precisara acontecer antes. Talvez o menino que aprendera a ler Edgar Alan Poe aos oito anos não pudesse mais retornar. Talvez.

Era certo que andava feliz e trabalhava como louco. Era certo que tinha ao lado a companheira que o respeitava e o enxergava como o homem de sua vida, o grande homem que era. Era certo que sabia ser da mulher o que ela esperava dele - tudo, nem mais um pouco. Sabia beijá-la na hora certa e tomá-la livre, sabendo-se dela.

Era certo que tinha uma inteligência anormal e que - mais que tudo - amava o bom uso desta qualquer que fosse o ambiente em que se encontrasse. Era certo que domesticava a alma lendo desesperadamente. Não temia demonstrar seu conhecimento, compartilhando-o com o mundo: tinha orgulho de saber-se.

Era certo que pensava em fazer um chek-up e deixar o cigarro.

Era certo que por sua cabeça passavam as grandes piadas, próprias das pessoas que não são amargas. Era certo que seus livros, grandes amigos, eram especiais cúmplices e professores em sua pós-graduação e doutorado fora das amarras, dos calendários e dos programas da Academia.

Era certo que seu ouvido aguçado, a ponto de não incomodar-se com a rotação fora de ordem de um toca-discos, sabia filtrar as diferenças e identificar a voz cristalina de Ella Fitzgerald e os legatos de Louis Armstrong. Era certo que me amava e chorava por mim ouvindo George Gershwin e Pixinguinha.

Fernando Toledo morreu aos 37 anos, atropelado por um ônibus, quando chegava em nossa casa, na Tijuca, Rio de Janeiro. O acidente provocou a fratura de seu crânio e, ironicamente, seu cérebro nunca mais funcionou. O hemorragia, que os médicos não conseguiram conter, poderia traduzir-se como o implorar de seu sangue para recuperar a antiga função dos neurônios, pois Fernando tinha nas veias o desespero de conhecer e amar.

Foi meu grande companheiro de longas conversas, de textos e trabalhos e de uma jornada amorosa de 1127 dias inesquecíveis. Perdi sua voz, perdi seus gestos e sua emoção incessante, mas não perdi sua memória e é a ela que dedicarei minha vida. Isso é certo que eu poderei.

quinta-feira, 15 de setembro de 2005

Palavra de Mulher



De: Chico Buarque
Canta: Selma Reis
(não, não adianta procurar... quem não ouviu ao vivo, só pode torcer pra que ela grave. )

Vou voltar
Haja o que houver, eu vou voltar
Já te deixei jurando nunca mais olhar para trás
Palavra de mulher, eu vou voltar

Posso até
Sair de bar em bar, falar besteira
E me enganar
Com qualquer um deitar
A noite inteira
Eu vou te amar

Vou chegar
A qualquer hora ao meu lugar
E se uma outra pretendia um dia te roubar
Dispensa essa vadia
Eu vou voltar

Vou subir
A nossa escada, a escada, a escada, a escada
Meu amor eu, vou partir
De novo e sempre, feito viciada
Eu vou voltar

Pode ser
Que a nossa história
Seja mais uma quimera
E pode o nosso teto, a Lapa, o Rio desabar

Pode ser
Que passe o nosso tempo
Como qualquer primavera
Espera
Me espera
Eu vou voltar

Réquiem para um girassol

Fausto Wolf

(como prometido, o lindo texto escrito pro Fernando e publicado no JB.)

Quando um homem mete na cabeça que quer fazer papel de idiota, dificilmente alguém pode obrigá-lo a mudar de idéia. Isso aconteceu comigo, quando fui convidado pelo PDT para disputar uma cadeira de deputado federal em 1990. Pedi dinheiro ao partido e disseram-me que eu tinha de dar-lhes certa quantia em dinheiro - mil dólares se não me engano - em troca de alguns bônus que eu me encarregaria de vender. Desisti na hora e, diante disso, eles desistiram de me cobrar a grana.
Só estou falando nisso porque no meu único (sei do cacófato) comitê na Rua da Lapa, 24, o Madame Satã, vinha muita gente trabalhar de graça. Um deles era um rapaz magro, desengonçado, voz característica, pois engrolava os érres, cabelo encaracolado, que parecia estar sempre de bom humor. Não devia ter mais de 20 anos. Ele ficava no comitê e distribuía material, instruía eleitores que quisessem me ajudar. Entre um comício e outro - sem que ele visse - ouvi-o explicar claramente a mais-valia e seus efeitos a um grupo de operários. Ficamos amigos e ele - como mais uma meia dúzia de moças e rapazes - tornou-se uma espécie de filho emprestado.

Eu e Fernando, este seu nome, jamais deixamos de manter contato. Nesse meio tempo, ele se casou com Áurea Alves, como ele, uma das maiores estudiosas de música do Brasil.
Autodidata, falava várias línguas e escrevia muito bem. Para dizer a verdade, ele estava entre os dez jornalistas que melhor escrevem neste país. Quando leu Joyce, foi paixão à primeira vista e não conheço ninguém que conhecesse melhor os truques literários do grande escritor irlandês. Porrista como o autor de Ulysses era coisa que Fernando também era, mas seu porre tinha uma alegria calma. Continuava inteligente. Gostava mais de escutar, sempre olhos fixos nos teus e um sorriso que demonstrava o incrível prazer que tinha em aprender algo novo. Era um prazer dar qualquer coisa a ele - de um chope a um livro - pois parecia que você estava sempre lhe dando o mundo. Morava na Lapa e o dinheiro lhe era de pouca serventia, pois o usava apenas para pagar suas contas, comprar suas canas e seus livros.
Atrás daquele garoto com cara de nerd gozador havia um grande filósofo encontrável, aliás, na resenha que publicou neste Caderno B, no dia 27 de julho último, sobre um livro menor de Herman Melville, Bartleby. Trata-se de um escrivão de Wall Street que descobre a mediocridade da vida que leva e começa a se recusar a fazer tarefas sem dar justificativa a não ser que a tarefa não lhe agrada. O homem negando-se a permitir que o transformem num objeto. Este era o Fernando. O que aos outros preocupava - sucesso, dinheiro, boa vida - estava em terceiro plano para ele. Um dia telefonou-me da Finlândia. Fora fazer um curso de projetista de instrumentação meteorológica para aeroportos. Explicou-me que era um trabalho que não o obrigava a pensar fora das horas de trabalho. ''O resto do tempo é para ler, escrever e ouvir música e beber.'' Não tinha um inimigo porque não discutia bobagens. Uma vez por mês bebíamos e eu tomava conhecimento dos seus progressos literários. Um gênio, tinha um cérebro privilegiado, um bom coração e não mentia nunca. Confirmação viva da minha teoria de que, se lhe derem o básico, o homem será feliz, pois nasceu para isso. Pretendo encontrar um editor para sua obra. Será o nosso grande póstumo.
Nos últimos anos perdi alguns dos meus melhores amigos - Albino Pinheiro, Elmar Machado, Ferdy Carneiro, Silvio Redinger, Jurij Moskvitin. Estes, porém, já haviam se preparado para a visita da sinistra senhora. Fernando Toledo morreu aos 37 anos, uma semana atrás. Às nove horas da noite. Três dias antes, fora atropelado na Muda por um irresponsável em alta velocidade. Conversei com ele em seu coma. Não respondeu. A morte levou um homem que tornaria qualquer rua, qualquer cidade do mundo um lugar melhor para se morar, um criador. Talvez houvesse descoberto coisas que não interessava ao Infinito revelar. Por isso o levaram. Como quem corta um talo de girassol com uma espada.

sábado, 10 de setembro de 2005

CORRICANDO NO RECANTO

ILHA GRANDE – PARTE 1

Então.
Aí meu pai fez aniversário na semana passada. E a Dodô, uma pessoa que eu costumava considerar pelo menos razoável, inventou uma viagem pra juntar o Hospício Blanc com a Turma da M.A.R.I.A. (Magnificante Agremiação Realizadora de Içamentos Alcoólicos).

Sempre pensei que a maior reunião de malucos do universo estava ou no Estephanio’s ou na minha casa. Enganei-me nas duas. Nunca tinha visto nada parecido e olha que eu já fui pra tudo quanto é canto nas piores companhias – espécie de péssimo hábito disfarçado em causa humanitária – mas desse jeito... impossível. Na escala de insanidade:

(na foto: Roberto, Basile, Aldir e Ivan)

Roberto, o anfitrião: o dono da Pousada Recanto das Estrelas é o louco-mor, por ter aceito receber essa turma. Construiu uma linha de defesa formada por Bárbara, doce Bárbara, e os funcionários Rose, Franklin e Luciana, zagueirões à antiga pra fazer frente ao ataque dos hunos. Professor emérito da nossa oficina de Gargalhada para Agradar o Sogro.

Aldir, o desversariante: a-do-ra essas datas... Mesmo assim, pintou e bordou. Fez serenata de madrugada, dançou fados, polcas e outras menos conhecidas. Ficou emocionado quando descobriu que a travessia Mangaratiba-Abrahão seria feita na barca Lagoa, a mesma que tantas vezes o levou na adolescência para Paquetá, e por pouco não acabou com o Jack Daniels que abasteceria três dias de viagem. Na viagem de volta, tentou seqüestrar o filho de uma desavisada e perplexa criatura.

Dodô: imbuída do espírito coordenador 24 horas por dia, organizou todo o passeio, os horários, a van, o pagamento, a divisão dos quartos, a cota de vodka e de porções do churrasco pra cada um, a cor das camisas do Franklin pra melhor combinar com a decoração dos quartos, a distribuição das bolas de soprar pelas crianças por cor, o método de feitura do arroz, os horários de dormir do Basile e, num momento de maior tumulto, por pouco não convenceu o Sérgio Touro a trocar a Gilda pelo Eduardo Gordo.

Ivan, o terrível: pescador incansável, foi de corrico do continente até a pousada, passando inclusive pelos paralelepípedos da vila. Dizem que só conseguiu mesmo pescar o Basile, seu companheiro de quarto. Teve um ataque de espirros que nos fez rir durante hora e meia. Imagina um sujeito desse tamanho que espirra assim: Aaaa...fiiissssss... Céus. Olha ele aí na foto ao lado, corricando tranqüilamente sob o céu de deputado!!

Mello Menezes: autor de diversas façanhas famosas, conseguiu acrescentar outras tantas ao seu invejável currículo. Pouco depois de ingressarmos na Lagoa, com uma inacreditável imitação de apito, Tio Mello fez tripulação e comandante baterem cabeças (início de tumulto, passageiros correram, duas caixas de tangerina caíram no mar, houve disputa de salva-vidas, tendo o Ivan conseguido apenas, e com algum custo, pôr um em cada pulso). Acabou provocando prematura partida da barca. A Capitania dos Portos instaurou inquérito investigativo tentando esclarecer o mistério. E eu não tenho isso filmado porque sou uma azêmola...

Basile: recebeu do Mello o carinhoso apelido de “Tia Ciata”, tanto por seu vastíssimo repertório quanto pelo... ahn... conjunto da obra, eu acho. Sempre um dos primeiros a acordar e um dos últimos a dormir, na maior disposição. Campeão do TIPS, Torneio Intermunicipal de Puxa-Saquismo. Segundo Isabel, presidente do comitê de organização do torneio, a vitória deu-se pelo singelo placar de 1.437 X 15 do segundo colocado.

No quesito façanhas coletivas, a melhor aconteceu na noite de sábado, quando nosso heróico anfitrião foi surpreendido pelo contingente de segurança pública da Vila do Abrahão, formado, na verdade, por um único guarda. Perturbação da ordem, muita reclamação dos vizinhos... enfim. Até num lugar desse, a Turma é caso de polícia!

[Aguardem os próximos capítulos. ]

terça-feira, 6 de setembro de 2005

DAS PARTES E DO TODO

Quem sabe se, pagos alguns de meus silêncios, eu pare de ouvir a voz que me cobra incessantemente ter saído do único lugar onde não me faltam tantos pedaços...

PS: a revisão tornou-se uma impossibilidade etílica. Queixumes para a redação.

SINFONIA DE BEM-TE-VI

O pai da moça sempre foi assim: arredio, estranho, malcriado, genial, chorão, egoísta, ensandecido, amantíssimo, devotado, fiel, imprevisível, brilhante, teimoso feito uma porta. O pai da moça imita bem-te-vi, bem que mal, mas tão bem que ela nunca viu igual. O pai da moça faz uma falta absurda... sumido no meio dum sertão árido de incongruências, deixou de dar conta de tanto amor. Culpa nenhuma. Culpa dela, que sempre foi maluca. Por ele, verdade, mas maluca. Todo dia faz falta o peito do tamanho dum continente, pêlo de barba com sorvete de flocos e restos desindentificáveis, um cheiro meio doce e azedo, sola de pé que nunca fica limpa, taça de cristal da bisa, Monteiro Lobato pintado de lápis-de-cor, mofo com cerveja, saudade do bisavô-vô-pai gigante, turno na janela de madrugada, abrir a porta pra ver se tá bem fechada, Condessa de Smirnoff, bisavó já morta dentro do armário, porta de ferro com janela de treliça... “O sabiá sabia já”: Bem-te-vi, tanto bem, bem de longe, bem de perto, bem toda hora-toda, bem pra mim, bem-te-vi pra sempre...

TOLEDIANDO (às vésperas de um mês)



Eu toledeio todo dia.

Não, eu não me lembro do dia em que nos conhecemos. Não me lembro da primeira vez que ele me chamou de irmãzinha, sempre com a asa protetora sobre a minha cabeça. Não sei contar quantas brigas foram compradas um pelo outro. Ele chegou, sorriu, venceu meu coração e depois eu chorei. E o nosso amor de irmão mostrou que veio pra ficar por toda a vida, mesmo quando minha loucura insista em discutir por discutir, só pra sustentar opinião. Hoje é mesmo a saudade que diz quem tinha razão. Sempre achei que ser irmão era isso mesmo, essa admiração, esse olhar orgulhoso quando ouvia frase inteligente – e olha que eu ficava orgulhosa o tempo todo - , um sem-fim de coisas pra dividir e aprender. A gente enxerga mal. Tem língua presa. Perdoa e tem acesso de fúria. A gente gosta de madrugada e se pela de medo do tamanho que ela tem. A gente sofre pela Síndrome de Veríssimo, não vai dar tempo de ler tudo que a gente gostaria de ler... A gente confia demais. Sofre demais. Irmão briga também. Eu varri mágoa debaixo do tapete. Joguei muito Steinhaeger no meio da rua. Fui arrastada pra casa, “pra pensar melhor”. Pedia socorro e ele vinha sempre imediatamente. Às vezes ele chegava antes mesmo do pedido. Dizia que precisava cuidar da minha instrução, que eu era um pouco burra às vezes, olha como era bonzinho comigo, eu um poço de ignorânça... meu irmão amado, o Girassol. Eu nem sei como foi essa escolha do Fausto pelo Girassol (vou postar esse texto-homenagem, publicado no JB, aqui depois), mas pra mim foi uma coisa muito louca. Girassol é uma das minhas prediletas. Não dá pra dizer que ele fosse diurno, matinal, refrescante como Soda Limonada, mas sempre procurou a luz. Sozinho. Aos trancos e barrancos, Fernando Toledo procurava a luz e achava. Por dentro das próprias veias, no meio do nada, atolado até os senões de vazios. Sozinho. Eu tentei ajudar um pouco, infantilmente diante de tanta lua. Briguei muito. Eu sustentei conversa absurda de madrugada pra fazer meu irmão dormir. Consertava camisa pra fora da calça e mandava engraxar os sapatos. Perdi cabelos pensando “onde esse puto se enfiou” quando sumia, na maioria das vezes ele sumia pra dentro de um livro, e a minha cabeça rodrigueana pensando sempre as maiores tragédias e ele aparecia no dia seguinte no telefone dizendo sempre: “-Senhorita Mariana Blanc? Teu irmão!” e eu ia dar uma choradinha num canto depois, desbordando o excesso de afeto. Faltei - piadinha familiar - 97 dos 16 almoços marcados na casa dele pra não ver a solidão, pra não enfrentar minha pequenez diante dum sujeito que viu todos os demônios dos infernos e fez questão de rir de cada um. Quando a Áurea, a mulher da vida dele, o grande amor, chegou, eu nem acreditei. Tinha uma flor no caminho, do tamanho do meu Girassol, que ia cuidar, que ia proteger, e ela fez tanto, se eu hoje tenho consolo na paz de espírito da partida, ela é a única responsável... eu guardo o primeiro sorriso dela no Estephanio’s até hoje, “vem, Mari, eu quero que você conheça... e me diga o que você acha”... eu acho que não podia ter acontecido nada, NADA melhor. Virou minha amada também. Silencio o resto dela, e a Dona Sõnia e o Seu Levi, Paulo e Carla, por absoluta impossibilidade nessa hora.
Irmãozinho, eu queria fazer soneto, serenata, eu queria escrever um Ulisses de Fernando. Eu queria achar sentido pra tua passagem, pra esse atalho na Terra. Mas eu, por hora, só encontro as poucas páginas dos livros que vc me deu, um disparate de ausência e a surdez da saudade abissal que eu sinto. Encontro um profundo arrependimento das conversas que a gente não teve, das viagens que não fez, do amigo mais justo e desprendido que tive na vida. Pela terceira vez a Conspiração me mostra Perda maiúscula. E eu ainda não aprendi o que fazer com essa merda. Deve ter arco-íris em algum lugar e eu espero vê-lo-ver-te em breve.



Se é tarde, irmão, me perdoa... eu vinha só cansada...

DOS MEUS SILÊNCIOS

Dulce Pontes - Canção Do Mar
Fui bailar no meu batel
Além do mar cruel
E o mar bramindo
Diz que eu fui roubar
A luz sem par
Do teu olhar tão lindo
Vem saber se o mar terá razão
Vem cá ver bailar meu coração
Se eu bailar no meu batel
Não vou ao mar cruel
E nem lhe digo aonde eu fui cantar
Sorrir, bailar, viver, sonhar contigo

Já são semanas, meses de mutismo absoluto, de imobilidade construída, de imperturbável abstenção. Meses de estranhamento. A verdade é que ando me privando de meus próprios pensamentos. Tenho deixado a mente como uma jangada perdida no meio do oceano em plena tempestade, torcendo apenas pra que o dia acabe, pra dar conta das coisas básicas, de comer, de dormir ou não, limitando a existência a tal simpleza que mesmo banais decisões de termos e construções, inerentes à escrita, me são custosas.
Silêncio pra não falar de coisas várias. Silêncio pra distância dos amigos; pra morte aburda, violenta, irreparável e inestancável do meu irmão; pra incompetência; pra saudade do Edu e da Dani – ah, meus parâmetros... - do Estephanio’s e da Marcela, da Lu, da Beth, do Fé e da Brinco, do Cachorro (achei um livro dele até) e da Cris, do Dedeco, Branco, Zé, da turma toda, todo mundo, do Erasmo e do Léo; silêncio pra decepção com o PT, meu primeiro delírio de ser sujeito histórico; pra falta absurda que meu pai me faz há dez anos, todo dia; pra falta até hoje imperdoável na formatura da vó Emília; pra incompetência...
Mas a Conspiração Universal não me deixa em paz. Sei lá se é benção ou praga. É fato. E esse final de semana, uma inacreditável excursão a um paraíso perdido, me deu o que pensar, logo eu que não queria pensar nada, logo eu que achei que podia ficar disfarçada da vida num canto, fui obrigada a tirar a máquina de delírios da inércia. Vou contar direitinho depois a parte factual dessa viagem pra Ilha Grande com meu pai, Dodô, Bel, Milena, Tati, sobrinhos, tios e a impagável turma do Bar da Maria. Prometo que conto. Depois. Primeiro eu queria pagar meus silêncios. Licencinha...

terça-feira, 19 de julho de 2005

Se acontecer



(Djavan)

As estrelas brilham sem saber
Mas cada vez melhor
Pois foi só você aparecer
Todas desceram pra ver você brilhar de cor

O que mais chamou minha atenção
Sua expressão sutil
Isso eu já não posso esquecer
Porque não foi só visão, o coração sentiu

A tenda da noite
Enche de sombra um sonhar vazio
Percorri tantas fontes
Até ver você
Sair do nada pros meus horizontes
Que a manhã, pura e sã, com as mãos de jasmim
Vá roçar seu rosto
Pro amor ardente despertar por mim
Deus é pai, vai saber
Se acontecer
Serei seu até o fim

Em tempo de chuva
Que chova
Eu não largo da sua mão
Nem que caia um raio
Eu saio
Sem você da imaginação

Memórias, gatilhos e pistolas

Trecho da coluna de Aldir no JB de hoje:
"(...)
Uma olhadinha no passado recente faz bem em hora de crise. É no mínimo curioso nosso complexo de hienas nômades. Ao contrário das co-irmãs africanas, gostamos de carcaças frescas. Depois, enfastiados, nos desinteressamos e vamos procurar fedentina em outro pedaço. Vejam só: Mamaluf meteu a mão grande em grana do povo, cobrindo o amplo espectro que vai de galinhas da merenda escolar ao superfaturamento de obras faraônicas, butim comprovadamente percorrendo uma trilha imunda que vai da Suíça, Luxemburgo, Vanderlei e outros paraísos fiscais, até a adega e a pinacoteca desse inimigo de Ali-Babá. Em que cadeia está, cercado de pedras preciosas, Ibrahim Abin, o Ácaro Ackel? Cadê o xilindró de Ângelo Cayman de Sá? O banqueiro Sacacciola continua de férias no exterior? E os 12 mil corruptores de PC Farias? Pinicolalau, amigo de torturadores, permanece de licença-prêmio no reduto do lar? E os 20 mil envolvidos no escândalo do Banestado? Os operadores - sim, operadores - que sucatearam e venderam nosso patrimônio em processos de privatização cheios de mutretas e irregularidades durante o império de FHC I e II? Tem alguém preso? Quais são os detentos saídos da quadrilha apelidada de Propinoduto, amigos do Garotinho? Coroa-Brastel? Capemi? Maisonave (é isso?)?
Minha memória não güenta.
"

leia o texto completo no JB Online

segunda-feira, 11 de julho de 2005

What Movie Is Your Love Life Like?

Your Love Life Is Most Like When Harry Met Sally

Your newest love is someone you least expectOpen your eyes - and heart - a little to find him.

What Movie Is Your Love Life Like? Take This Quiz :-)



Whatever... =)

sexta-feira, 8 de julho de 2005

Rua dos Artistas: O efeito Leleco

Aldir Blanc

(publicada em 06/07/2005 no fabuloso novo CadernoB do Jornal do Brasil -


Um amigo foi internado em situação difícil num setor de Oncologia. No quarto para dois pacientes, a privacidade é precariamente garantida por um cortinado entre os leitos. Vozes sussurram com discrição no exíguo espaço destinado a meu amigo. Do ladelá da cortina, uma saborosa família suburbana, cheia de Iracemas, Janaínas, Aymorezinhos e Valdineys, comporta-se como se estivesse num piquenique em Paquetá. Discutem política e futebol, nessa ordem (isso, não se pode negar, o PT conseguiu); armam quizumbas homéricas com a enfermagem; incentivam o doente zonzo:

- Que cara é essa? O quê? Fala mais alto, pomba! Não vai tomar a sopa de entulho que a tia Candoca mandou na garrafa térmica novinha?!? Na-nã-ni-nã-não! Só uma colherada pra provar. Sabe quem vem amanhã? O Ednevaldo com as filhas, Vanessa Michelle e Gisleynalva Wanderléia. A Gis tá com uma barriga enorme, grávida. Dizem que foi um jogador do Vasco, tadinha...

De repente, silêncio. E aí:

- Tá chorando?

A voz quase inaudível do paciente:

- Eu queria ver o Leleco antes de...

- Antes de quê? Pensa positivo! O astral é tudo!

Choro ainda mais alto.

- Tô sentindo muita falta do Leleco.

Uma voz de mulher, resoluta:

- Olha, pai, vou te prometer uma coisa: amanhã eu trago o Leleco aqui ou não me chamo Edmilce Azuréia!

Meu amigo acompanha o drama. Quem será o Leleco? O filho pródigo? A ovelha negra? Traficante procurado? Parlamentar da base de sustentação?

Um homem troveja:

- Pai, o Leleco só faz ême, pô! Ta lá na dele, pouco se lixando pro teu estado. O vagabundo só pensa em si. A gente rala pra te visitar e você tá com saudade daquele pilantra, cacete! Vou tirar o time que eu não güento esse tipo de babaquice! Tu gosta mais do Leleco do que dos próprios filhos! Sempre foi assim. Um dia, eu perco a cabeça e dou um tiro no...

Bafafá, tititi, o estalo clássico de um bofetão.

- Olha aqui, Ozônio Carlos, tu pode ser PM, machão, o escambau, mas respeita o pai, falô? Sou muito mulhé de te arrebentá esses corne de cafetão!

- Calma, Terezinha Dulce! Aí, ó, o pai tá geral chorando de novo.

- Leleco... sniff... Leleco...

Uma voz fininha de criança:

- A gente pode trazer o Leleco na mochila da escola e passar correndo pela portaria, mas...

Suspense.

- ... e se o maluco do Leleco latir?

Pra surpresa das filhas, como se fosse o choro de raiva e vitória de um recém-nascido, meu amigo solta uma vasta risada, a primeira em meses.

A Morte, trajando um modelito Cruela Cruel, retira-se, humilhada. Apesar de seu poder devastador, morre de inveja dos frágeis seres humanos: enquanto os desvalidos acharem graça na desgraça, sua vitória não será completa.

sábado, 2 de julho de 2005

CLOSER - Perto demais

The Blower's Daughter
Damien Rice
http://www.warnerbrosrecords.com/damienrice/
(botão direito do mouse sobre o link
e 'abrir em nova janela' pra ouvir enquanto lê.)

And so it is / Just like you said it would be / Life goes easy on me / Most of the time // And so it is / The shorter story / No love, no glory / No hero in her sky

I can't take my eyes off of you
I can't take my eyes off you
I can't take my eyes...

And so it is / Just like you said it should be / We'll both forget the breeze / Most of the time // And so it is / The colder water / The blower's daughter / The pupil in denial

I can't take my eyes off of you
I can't take my eyes off you
I can't take my eyes...

Did I say that I loathe you?
Did I say that I want to leave it all behind?

I can't take my mind off of you
I can't take my mind off you
I can't take my mind...
My mind... my mind...
'Til I find somebody new



Eu vou estar aqui pra sempre, eu vou estar aqui para sempre, mesmo repetindo nunca nunca mais, eu vou estar aqui pra sempre...

Assim terminava o bilhete de despedida que ela nunca conseguiu escrever. O último e desnecessário adeus. Ninguém precisa de mais de um e eles já haviam tido vários. O primeiro e definitivo adeus foi dito há muito, muito tempo atrás em alto e claro som, vítreo como qualquer adeus ansioso por liberdade. Divulgado e propagado. Menos do lado de dentro.

Foi quando ela parou de dormir. Dormir tb é saber dizer adeus. Dar serenamente adeus ao dia que terminou e pôr-se pronto, inteiro e confiante para o próximo. Aceitar. Acordar vigilante e disposto para o futuro. Pra quem está se afogando, sentindo o tempo correr pra trás, é impossível dormir, o corpo todo pede socorro, implora, a mente não desliga, anseia, receia, negaceia, e o passado vai espalhando hera de ramos sem raízes pelos moldes do pensamento, mesmo os novos já se formam como os antigos, erráticos, vazios, fantasmas. É impossível dormir, move, move, move forward, ver os dias irem se acabando, sem sentir uma vontade incontrolável de jogar-se debaixo de um ônibus. Ela então pegou as horas e fez delas simples sucessões de fatos, um emendado no outro, cinco, dez, dezenove dias valendo por um só, as semanas, os meses, tantos anos e o pensamento ainda sente, e afirmaria até, que foi anteontem.

Desculpe por ligar assim tão tarde, ou tão cedo, já que são quatro e meia da manhã, mas eu precisava ouvir a tua voz e te dizer que... era assim que ela gostaria de começar a conversa. A conversa que nunca conseguiu ter, pra não precisar admitir desespero. Jamais vai ter coragem de ligar tão cedo ou tão tarde. Jamais vai ter condição de se perdoar. Mesmo sabendo que tanto silêncio assim pode até matar.

Eu teria feito qualquer coisa pra você voltar se achasse que faria diferença!! Me pede e eu faço!! Qualquer coisa... Era o que ela gritaria na frente de todo mundo quando o visse cara-a-cara novamente, aos prantos, unhando os próprios braços na tentativa inútil de calar-se, limpando o nariz na gola, sentindo os joelhos dobrarem, o laivo de vida que um resto de orgulho pode proporcionar esvanecer. É só nisso que ela pensa: quando não está obcecada pela ausência, está obcecada por colar os cacos de sua extensa coleção, o que dá na mesma. É como um emprego de tempo integral, que ainda exige longas horas extras e requalificação constante. Você está apto a segurar essa barra? Tem certeza que agüenta? Não é melhor perder mais alguma coisa importante antes de afirmar que já chega? Você não acha que já perdeu o bastante, acha? Você sabe que ainda precisa muito mais colhões pra aprender, não é? O que você escolhe? Que tal perder um filho? É perda bastante pra empedernir a sua casca? Passe no departamento de RH para pegar seu upgrade, ok?

Eu jurei que não ia mais te escrever, perdoa, é que eu mantenho os olhos desviados mas cabeça não desliga nunca, assim começava o bilhete que ela deixaria na porta dele, uma declaração de amor tão irrevogável quanto os delírios, um bilhete e uma única rosa vermelha já bem aberta, quase despetalando, que murchasse rápido como ela gostaria que esse amor, essa doença, esse susto, esse pavor passasse, desmanchando, murchando, sem deixar nem o cheiro, apodrecendo pra servir de adubo pra um futuro que ela já desistiu de esperar.

Não precisa conferir. Vá em frente sem olhar pra trás e não duvide nem por um único segundo. Qualquer coisa. É assim que é. Eu vou estar sempre aqui. Assim terminaria a promessa eterna e definitiva, a estranha dedicatória que nunca viria a ser publicada.

I can’t take my mind off of you...









alívio.



segunda-feira, 27 de junho de 2005

QUE SEXTA FOI ESSA????

Depois dessa, a Barca de Caronte precisa voltar a navegar.
Cês não tão entendendo... Era pra ser uma sexta feira calma e tranqüila. Uma cervejinha na feira, uma passadinha no Momo pra dar um beijo no meu avô e pronto!! Mas não, não dá pra ser simples... Foram quatro tempos de bola rolando sem parar, com uma mísera pausa pra fazer um xixi entre uma coisa e outra.
Começou na feira com siri, tapioca, churrasco de lingüiça, picanha borboleta, frango, corações e lombinho, caldinho de feijão e um outro troço que eu até agora tenho medo de perguntar o que era. A feira é ótima, mas acaba rápido. Então ficou acertado a ida de todos os quinze da barraca prum buteco no Morro da Conceição, onde continuamos com batidas de coco e maracujá, queijo, salaminho diagonal (nada com o Harry Potter), e um estranhíssimo bolo de omelete (!?) que dividiu as opiniões. Eu gostei, mas eu como até êpa depois de certa hora...
Ainda não era o suficiente, então como estávamos perto, descemos pro Escravos da Mauá. Luxuosa canja de Aldir e Moacyr, uma coisa. Aí babou de vez: caipirinha do Luizinho, meia-de-seda, vodkas com frutas variadas, um charuto, e tome cerveja pra lavar a serpentina.O quarto tempo era no aniversário do Marcelo Moutinho, o Príncipe do Eixo Madureira-Copacabana.
Disseram que me viram. Disseram que eu ainda tomei mais cerveja, uma batida de maracujá de suco Maguary, e ainda roubei a cachaça de um desavisado. Disseram também que eu prometi release, orelha de livro, capa de CD, óleo sobre tela em 2 X 4 metros, um jantar de noivado e um contrato de exclusividade. Só tem um detalhe... depois de ter conseguido avistar o aniversariante por três segundos e dois décimos, eu me dei por satisfeita, com as tarefas sociais devidamente cumpridas, e desliguei a chave central. Portanto, eu não me lembro muito bem dessas últimas partes. E se eu não me lembro, não aconteceu!! :))

Terceiro tempo: "O bêbado e a equilibrista" no Escravos da Mauá.

Já imaginou?

Basile e Moacyr no preparo da frigideira de siris.

segunda-feira, 6 de junho de 2005

Autópsia

Letra de Aldir Blanc (para o momento dramático do último infarte)

Hoje, a palavra jamais
se apossou do meu dentro
como um seqüestrador
congelando um momento
como um torturador
saqueando
o templo
do meu corpo
como um profanador
violando o sossego
onde já estive morto...

Meu amor foi em vão
ressuscitado
só pra testemunhar
que não resta mais nada
e é nessa paisagem desolada
e vazia,
dentro dessa agonia,
sem raiz, orvalho e ramo
que eu grito: eu te amo
mesmo que não me pertenças mais,
mesmo que eu, no abandono,
também já não me pertença mais.

Com a frieza das facas semelhantes
dos legistas a amantes, bons profissionais,
foi gravada em meu peito a palavra jamais.
Mesmo sendo relativamente moço
e achando o poço onde ela é pedra
profundo demais

sexta-feira, 13 de maio de 2005


Convite Show Luisa Saboia. CLICA!

quinta-feira, 12 de maio de 2005

Tá na Barca de Caronte!!!


Pomodorino
Avenida Epitácio Pessoa, 1104 Lagoa - Zona Sul - 3813-2622

A casa tipicamente italiana que abriga o restaurante Pomodorino ganha um brilho especial por estar em frente à Lagoa Rodrigo de Freitas, um dos cenários mais belos do Rio. Mas só beleza não põe mesa. E foi com esse espírito que nasceu, no final de 2004, o Pomodorino. Cada detalhe foi pensado: a divisão dos salões, a decoração dos ambientes, a escolha dos utensílios, o clima aconchegante da varanda e, obviamente, a elaboração do cardápio.Pomodorino, em italiano, significa "tomatinho". Os tomates cereja, utilizados à vontade, serviram de inspiração para um cardápio leve e colorido, elaborado por Ana Lúcia Aleixo, que traz boa experiência dos restaurantes Artigiano e Fiorino. Saladas, grelhados e massas regados ao azeite extra-virgem são combinados a muitas ervas, berinjelas, abobrinhas, cogumelos, pimentões, tomates cereja, tudo isso preparado de acordo com os moldes de uma boa cozinha artesanal. Aliás, o artesanal está em toda parte do menu: os pães do couvert (focaccia, grissini e pão francês molhados em azeites temperados) são todos feitos a mão na própria cozinha do Pomodorino e suas fornadas saem de hora em hora. As massas são cortadas uma a uma em utensílios próprios.Para a entrada, a salada verde com camarões crocantes, bacalhau e tomates cereja (R$ 17,90), ou salada verde com figos secos e queijo de cabra ao gergelim (R$ 15,30) são os destaques iniciais. Na hora do prato principal é possível escolher entre massas, risotos, carnes e peixes. Pappardelle com berinjela, abobrinha, pimentão vermelho e cogumelos grelhados (R$ 23,90); medalhões de filé mignon com tomates secos, alcachofras, guarnecido com bavettine (R$ 31,50); salmão grelhado em crosta de gergelim branco e preto com salada verde (R$ 30,60); e risoto com funghi porcini e shiitake ao azeite de trufas brancas (R$ 29,80) são os mais pedidos. Para a sobremesa, torta quente de chocolate com sorvete de chocolate branco e amêndoas, que demora doze minutos para ser servida.
www.guiadasemana.com.br

sábado, 7 de maio de 2005

DULCINÉA

(Mitch Leigh e Jacques Brel)

Je te savais déjà
Je savais ton prénom, ton aura, ton éclat, ta lumière
Je te savais toujours
Je savais de toujours que ce jour me mènerait jusqu'à toi

Dulcinéa, Dulcinéa,
Perle d'or sur champ d'amour, toi Dulcinéa,
Même mort, je jure, je jure ne brûler que de toi,
Dulcinéa, Dulcinéa

Oh non, ne t'en va pas
Laisse-moi contempler du regard l'ombre chère de tes pas
Oh non, ne t'en va pas
Tu n'es plus une image, un mirage, un nuage, tu es là

Dulcinéa, Dulcinéa
Laisse-moi servir ta gloire, ma Dulcinéa
Par ma voix, pour toujours, ton nom entrera dans l'histoire
Dulcinéa, Dulcinéa

Dulcinéa, Dulcinéa
Perte d'or sur champ d'amour, toi Dulcinéa
Même mort, je jure, je jure ne brûler que de toi,
Dulcinéa, Dulcinéa

Dulcinéa, Dulcinéa,
Laisse-moi servir ta gloire, ma Dulcinéa
Par ma voix, pour toujours, ton nom entrera dans l'histoire
Dulcinéa, Dulcinéa.

terça-feira, 3 de maio de 2005

segunda-feira, 2 de maio de 2005

Dezoito horas de soluço

O Jornalista escreve (sic) para uma publicação semanal. Tem um orgulho danado. A maioria dos seus conhecidos de faculdade não está trabalhando em veículo nenhum ou estão montando uma empresa de assessoria ou estão desmontando uma empresa de assessoria. A maioria dos seus colegas de trabalho não tem metade das qualificações (sic) que o Jornalista tem. Cursos no exterior. Pós-graduação. Inglês avançado. Francês. Italiano macarrônico e espanhol etimológico. Implante de cabelo. Jaquetas de porcelana. Mantém uma rotina de trabalho rigorosa: acorda às oito, toma seu café da manhã: cereais, frutas e complementos vitamínicos. Lê (sic) os seis maiores jornais em circulação do país, sobe na esteira elétrica em frente à tv – ligada no canal de notícias, claro – pega o telefone e começa a peregrinação das fontes (sic). O Jornalista tem muitas fontes. Da ABI, passando pela Câmara dos Deputados e pelos barraqueiros da praia em frente a seu apartamento recém-comprado, o Jornalista tem muitas fontes.

Antes das onze, o Jornalista já fez e recebeu 34 telefonemas, 8 faxes, caminhou uma hora, correu mais trinta minutos, está exausto. Um informante se recusa a abrir o bico e ele tem certeza de que a pista é quente. É preciso conseguir a informação. Liga pra um deputado, mas a fonte não tem rabo preso com o partido. Então será preciso inventar, ops, esquentar (sic) a notícia. Vida estressante essa, o Jornalista ainda vai acabar com gastrite. Pra relaxar, dois pesos de cinco quilos, exercícios de tríceps junto com mais cinco ligações, marcando com os amigos um programinha pra noite, o quinto da semana e ainda é terça-feira.

O Jornalista é casado (sic). Dizem que a mulher é prima, engravidou de um investidor podre de rico, extremamente bem relacionado, que tem laços com um ex-presidente. Ninguém consegue provar (sic) nada. O Jornalista tem muitas fontes.

Depois do almoço é hora de começar a escrever (sic). A estagiária-secretária-revisora chega pontualmente às catorze horas todos os dias. Os dois então recolhem toda a informação despejada na caixa de correio eletrônico, juntam com os telefonemas, aí ele decide quais os nomes não podem ser revelados ainda, escolhe de quem vão falar mal dessa vez e ela, do alto de seus recém-completos dezenove anos redige (sic) tudo, revisa e encaminha pro editor. Está pronta mais uma obra-prima do polemismo nacional. Não fosse o detalhe de, apesar de vaidoso, ter medo de câmera, a gente podia jurar que o Jornalista trabalha (sic) naquela tal revista de maior circulação do país. Segundas e quintas, quando a Mulher do Jornalista faz aula particular de pintura com um artista jovem de muito futuro (sic), a Estagiária fica até mais tarde (sic).

Pontualmente às duas da manhã, o Jornalista toma dois uísques, um Pantoprazol, um Rivotril, se enfia no pijama de flanela, abre seu novo volume do Paulo Coelho e vai dormir sonhando com o dia em que vai estar por cima do William Bonner. Ou não necessariamente nessa ordem. Sic!

sexta-feira, 29 de abril de 2005

Uma confissão de amor

Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é a de não ter sutilezas e de reagir às vezes com um verdadeiro pontapé contra os que temerariamente ousam transformá-la numa linguagem de sentimento e de alerteza. E de amor. A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira capa de superficialismo.Se eu fosse muda, e também não pudesse escrever, e me perguntassem a que língua eu queria pertencer, eu diria: inglês, que é preciso e belo. Mas como não nasci muda e pude escrever, tornou-se absolutamente claro para mim que eu queria mesmo era escrever em português. Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só para que a minha abordagem do português fosse virgem e límpida.
(Clarice Lispector)

Não quer calar

Será que a YSL está pagando direitos ao Juarez Machado sobre a campanha de seu novo perfume? Devia...

Alegrando o Dia

http://lovethosekids.com/playgrnd/glitzer/glitzerd.htm

terça-feira, 19 de abril de 2005

Nada pra mim - Ana Carolina

Posted by Hello


Eu não vim aqui
Pra entender ou explicar
Nem pedir nada pra mim
Não quero nada pra mim
Eu vim pelo que sei
E pelo que sei
Você gosta de mim
é por isso que eu vim
Eu não quero cantar
Pra ninguém a canção
Que eu fiz pra você
Que eu guardei pra você
Pra você não esquecer
Que eu tenho um coração
E é seu
Tudo mais que eu tenho
Tenho tempo de sobra
Tive voce na mão
E agora
Tenho só essa canção

terça-feira, 29 de março de 2005

Desconstruindo os Hipocondríacos

Aldir Blanc
Colaborou - Eduardo Goldenberg

Somos obrigados diariamente a conviver com os assassinatos em nossas esquinas e o genocídio acobertado pela nova desordem globalizante e neoliberal. Além disso, sofremos a derrocada diária de nossos pequenos mitos: Robin Hood foi o inventor da meia-calça; Dona Benta enfiava o sábio sabugo no Pedrinho e na Narizinho, sob o comando da dominatrix Emília; Zumbi, na intimidade, preferia ser chamado de Branquinha... Coisas assim desarvoram qualquer mortal. Pode existir um massacre mediático ainda mais devastador? Pode. Ninguém agüenta a gangorra aloprada sobre alimentos, remédios, dietas, práticas medicinais alternativas, golfinhos tarados, estrelas glutonas, malhações, e outras baboseiras.

O Verissimo comemorou a absolvição do ovo, até bem pouco tempo atrás uma espécie de serial killer e confessou aguardar, ansioso, pesquisas que demonstrem o valor terapêutico das tirinhas de bacon. Bom, segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, um ovo deve ser cozido à temperatura exata de 60 graus, em precisos 3 minutos e 30 segundos ou estaremos ingerindo um viveiro fatal de salmonelas. De agora em diante, ovo, meus caros, só com termômetro de precisão na panela e cronômetro, aferido pelo Inmetro, na mão. Já a manteiga e o creme de leite, uma dupla comparada à Fera da Penha em conluio com o Motoboy, estão liberadíssimos: ricas fontes de vitamina A, a verdadeira agente da CIA no combate à infecções e doenças de pele - mas, atenção!, a maioria dos remédios que se apresentam como vit. A tem dosagem hepatotóxica, podendo levar à hepatite medicamentosa.

Passemos ao chute nos tomates. Lançado em horário nobre na televisão, feito o Leonardo dos hortigranjeiros, como o único alimento capaz de prevenir (basta comer o equivalente a seis caixotes semanais) o câncer de próstata, foi avacalhado, logo no dia seguinte, por naturebas ligados a grupos macrobióticos: é mais venenoso para os rins que hemodiálise em hospital de pobre. A síndrome de Clóvis Carvalho também atingiu a soja: milagrosa na sexta-feira e delinqüente transgênica no domingo.

Um pesquisador pernambucano detonou:

- O boldo não é tão inofensivo quanto aparenta!

Um pouco de sua substância ativa, a boldina, em excesso no organismo, pode causar alterações cromossômicas, ou seja, a ingênua gestante acha que está esperando o Di Caprio e nasce o Ratinho.

Na Internet, a loucura é total. Várias xícaras de café do brabo são excelentes no combate aos ataques cardíacos. A beringela não reduz o colesterol coisíssima nenhuma, podendo causar algum prazer apenas como consolo - sem pilha, é claro. O antes todo-poderoso mel dá mais ferroada que a colméia reunida. A gordura do abacate, a banha de porco, o chocolate e o torresmo ajudam a conseguir uma silhueta de Marco Maciel. Entretanto, a malévola alcachofra engana mais que o ACM. O aspartame causa degenerações dignas de um ruralista. Por isso, devemos todos voltar ao ciclamato Roberto Campos. Yakult e Chambito agem tipo bomba de efeito retardado no intestino grosso, uma espécie de Acre na geografia orgânica. Um dia, a contenção vem abaixo e é merda no ventilador pra todo lado. O Viagra pode causar sexorexia: fartos de ficar de pau duro, seus usuários contumazes compram espartilho fúcsia e pegam fuzileiros navais na Praça Mauá.

Impressionado com as dimensões catastróficas de todo esse lixo, caí na asneira de ler a bula de um remédio que tomo. Trata-se do brometo de pinavério. Convenhamos: todo sujeito que ingere uma droga chamada pinavério é débil mental. Eis os excipientes (uma palavra por si só bastante macabra): dióxido de silício coloidal (meu Deus, aquilo que faz computador lá no Vale). Talco (é, o polvilhado em bunda de neném). Eudragit (Nossa Senhora!). Polietilenoglicol. Dióxido de titânio (caceta, são dois Titãs, só que já oxidados!) Laca (é isso aí: Laca). E, pasmem, Corante AmareloCcrepúsculo! Não é atoa que tenho cantado Babalu com voz fina no chuveiro. Segundo o The Lancet, o Corante Amarelo Crepúsculo faz um capanga do Hildebrando achar o Selton Melo “fofinho”. O pinavério é antagonista do cálcio. Dá vontade de pegar o desgraçado pelo colarinho e perguntar:

- Porra, Pinavério, que qui tu tem contra o Cálcio, caralho?!

E, desgraçadamente, a bula ainda me adverte: não posso amamentar “por falta de estudos específicos”. Deles ou meus? Nem mesmo leite de minhápica?

segunda-feira, 28 de março de 2005

... Posted by Hello

Morte por afogamento

Quebrei a porta da geladeira de tanto abrir e fechar. Desisti do gelo e passei pro caubói. Deviam vender tuas postas em conserva, drogas injetáveis têm muitos efeitos colaterais. Os pesadelos se agravam. Eu continuo morando nos teus olhos, tá tudo ainda assim queimando em mim, salvas e salvas de fogos, eu no Maracanã e você comigo, eu no metrô, no Largo de São Francisco, ouvindo Etta James, dançando jongo, bendito louvado seja, é o rosário de Maria, eu fora e sempre dentro dágua, no mesmo mergulho, na mesma sombra, no mesmo naufrágio.

Devo ter feito reza na feição do cão, eu pago sempre com juros, eu não esqueço, eu não durmo. Os sapos coalhando de desalento o peitoril da janela e eu cerzindo ferida de não poder mais, de ainda, de senão. Coração preso entre o fastio do sentimento e a intemperança do presente, estala, range, vai aos arrancos e soluços, não tem mais estrada que alente, se soubesse parar, parava, se soubesse correr, corria, se pudesse... se pudesse ia.

Anjo torto da minha fé descrente, Javé é compaixão e piedade, lento para cólera e cheio de amor. Fico desperto, gemendo, como ave solitária no telhado, com vela colorida na quarta-feira, tomo chá de camomila, erva-cidreira, não adianta, salta um coquetel, pantoprazol e limbitrol numa azulada, duas alcachofras, com bastante gelo, "shaken, not stirred", minhas mãos doem, as minhas unhas estão cheias de terra, eu cavo um poço por dia ou deixo esturricar, desaprendi de recolher, e as sementes se foram com as folhas do mulungu que as deita no vento antes de cobrir de flor... O meu rosário de contas – ave-marias negras, pais-nossos de arganéu – eu guardei na rede pra balançar tédio de varanda, calma fingida, e fui trançar os cabelos, fazer renda de fita, tirar pó, mecânica quanto raiada, ladrilhando a memória de pedrinhas de brilhante, ajibonã de minha própria alma, capataz dos meus desejos, algoz de minha calmaria.

É de espantar que os dias se sucedam, que chova, que esquente ou esfrie, que a comida estrague e que cheguem jornais novos se o tempo está parado. Um besouro pousou no meu olho.

segunda-feira, 21 de março de 2005

Cariocaturíssimo Lan

Mais uma colaboração amiga pra ajudar a aumentar o aconchego desse nosso cantinho. Foi escrito por amigo que eu fico muito feliz por ter ganho de presente. Quem sabe ele não faz outras aparições por aqui.

Quero dar um abraço
nesse garoto
que esse ano fez oitenta,
craque do poema em traços,
carioca da gema
que dispensa papel passado
e ainda acalenta
aquele sotaque maroto,
quero dar um abraço
nesse sujeito sambaixonado,
e em itálico tinha de ser,
que é desse jeito
que seu peito aquarela
e Portela,
que paixão imensa!,
faço também questão
de lhe dar um abraço
pelo feito especial,
o Nobel de Cariocaturas
com a Lanrdose da Mulata
que retrata
a poética abundância
dessa bela mistura nacional,
exuberância estética
na qual ninguém bota defeito,
e em itálico, como convém;
obrigado,
cariocaturíssimo Lan,
por esse Rio de humor
que me inunda
com essa overdose de mulata,
obrigado,
cariocaturíssimo Lan,
por esse Rio de humor
que abunda em lordose
e me faz feliz na dose exata!

Rio Maracanã, sexta-feira, dia de feira.
Do seu fã,
Luiz Moreira

sexta-feira, 18 de março de 2005

::: sem parar: Canta, canta mais

(Tom Jobim e Vinícius de Moraes)

Canta, canta
Sente a beleza e
Canta, canta
Esquece a tristeza
Tanta, tanta
Tanta tristeza
Canta
Ah...
Canta, canta
Canta, vai, vai
Segue cantando em paz
Canta, canta
Canta mais

sexta-feira, 11 de março de 2005

Zulmira, malandros e reis


20 toneladas de ferro maciço batiam as estacas da fundação. Os alarmes de ataque aéreo já pareciam fazer parte do enredo. As paredes talvez desmoronassem. Sem contar com o fedor de fossa e essa absurda vontade de vomitar. Bumbos, surdões e tantãns botavam pra quebrar em plena Marquês de Sapucaí. Ou talvez fosse Exército da Salvação marchando sobre os paralelepípedos da vila suburbana. "Ó suburbano coração..."! Ou talvez tudo isso fosse efeito da bebida. Pra quê misturar samba com churrasco e beber dessa maneira? Quando é só o samba, dá pra controlar a cerveja. Mas e a picanha, quem sugira? Quer dizer, segura? Aí dá uma sede danada e ainda por cima todas as tias velhas ficam chupando o fiapo do dente e as crianças não param de imitar chacretes de banda baiana num sol que parece estar vindo pra cima encarando geral feito a morena mulher do cunhado do teu vizinho que insistia em mostrar o decote na cara de todo mundo principalmente na sua quando a Zulmira chegava perto e todo mundo sabe que a Zuzinha não é de fritar bolinho muito menos cozinhar pra fora já que nem bem a loura da rua de baixo apareceu e a Zuzinha já havia chamado o nêgo na chincha e espinafrado a boazuda e ele nem conseguiu dizer pra ela que tava na hora do futebol e os cumpadres não iam perdoar a falta nem dele nem da cerva que ele tinha que levar porque bastava a da semana passada quando a kombi do sacolão atropelou a Tia Vica e fez a pobre rodar mais do que na ala das baianas naquele carnaval que eles passaram acampados no quintal da casa do Tio Joca por falta de vaga dentro de casa mas do jeito que ele ronca ninguém ia dormir e nem tinha tanto problema porque ninguém dormia mesmo com tanta vontade de mijar sem contar com o banheiro quando não tava ocupado tinha um cagalhão boiando e era melhor parar já que todo mundo sabe que botar a família no meio não dá certo e tanto a minha mãe quanto a tua têm telhado de vidro e ia começar a juntar gente feito urubu na carne-seca do seu Trindade aquele velho camelô safado que pediu trezentas pratas e se mandou pro Pará atrás de umas terras roubadas que passam de ladrão pra ladrão e nunca pagou o dinheiro que Zuzinha ajudou às custas de muita trouxa de roupa a juntar e tava guardado pra consertar a lage da casa pra eles poderem ir morar juntos logo porque não dá mais pra viver sem ela e "vamos sair logo daqui" que ela tá é precisando de um trato bem dado do jeito que só ele sabe dar...

terça-feira, 8 de março de 2005

"Peguei a Barca de Caronte pros Quintos dos Infernos e levei..."

Eu estava com uma dúvida cruel: como incluir comentários sobre CDs, livros, filmes, sem que ficasse tudo misturado com os contos e virasse a sucursal do hospício? O problema das músicas já tinha sido solucionado com o selo SEM PARAR, mas e os livros? E os filmes? E se nem fosse tão bom, mas valesse o comentário? E se fosse tão ruim que só baixando o cacete?
Bom seria ter aprendido a fazer as coisas direito, saber programação, não depender só do Blogger. Pacença.
Que fazer?
Foi então que surgiram Branco e Dedeco e apesar do adiantado da hora (passava das quatro), eles iluminaram minha mente: a melhor maneira de compreender o caos é usar a lógica. Nada como sorvete de flocos. Então taí.
A brincadeira é:"'Peguei a Barca de Caronte pros Quintos dos Infernos e levei..." e aí depois decidir se leva mesmo ou não. Hoje a gente começa com livros.

Livro: Vencer ou Morrer: futebol, geopolítica e identidade nacional
Autor(es): Gilberto Agostino
Editora: Mauad
Ano: 2002
Nº de páginas: 272
E aí? Leva?
Leva... pode levar.
Mas não vou fazer resenha nenhuma, porque não li o fim e não estou mais de posse do exemplar, vítima de torpe e vil ato de uma dessas pessoas que, infelizmente, vieram pro mundo a passeio. Triste. Tentei comprar outro e não achei. Tem no Submarino, mas eu não sou moderna. De maneiras que fica apenas o link abaixo. Discordo de umas coisas, acrescentaria outras, mas no geral é isso aí.
http://www.nethistoria.com/index.php?pagina=ver_livro&livro_id=462
E fica assim, o não dito pelo dito.

Livro: Tudo que não é cavalo
E aí? Leva?
Não. E deixa assim mesmo.

sexta-feira, 4 de março de 2005

JUAREZ MACHADO - Cocktail Fourré - 2002 Posted by Hello

Como é que conserta?

Quando eu cheguei em casa depois de dezoito reuniões bestas e desnecessárias (dinheiro que é bom, necas), tudo, tudo que eu queria era sossego. Mas tinha que ver emêiul, não tinha? Tinha que olhar caixa postal, responder recado no celular, mural do Orkut, comentário no blog... Merda. É horrível ter que fazer isso em dia de azedume.
Aí veio uma mensagem de um amigo de uns quinze anos, que mudou de endereço eletrônico. Fui pra lista do orkut tentar responder e... tava lá a foto. Do lado, coladinha. Não do amigo, mas dele. Ele. O amado, o escafandrista, o amante perfeito, boca indizível, o inconfessável... raiva. Raiva. Incontrolável. Ódio mortal. A situação limítrofe entre a fúria obsessiva e o ódio-cabloco-quebrador-de-prato, e uma vontade estúpida de consertar, de ser menos passional, menos surtada, eu faria tudo diferente, teria mais paciência, devia ser dos melhores amigos até hoje, na verdade é, porque eu converso com ele toda noite, eu só podia ter tido mais tato, ter sido mais elegante, um silêncio sábio de debruçar no assunto, uma parcimônia...
Só que essa não sou eu.
Eu reconheço. Fui eu que pedi, quis assim. Fato.
Mas eu tenho uma saudade abissal do sorriso, da voz... e do cheiro. Só. E o pior: contra todos os meus prognósticos, não quer passar. Então, pra celebrar a minha estupidez, sem nada de mensagem oculta na letra, é muito mais o clima, quase de celebração, "é essa porra mermo", com vocês, nessa altura altíssima (altas estamos eu e a madrugada), com vocês mais um momento da série ::::SEM PARAR:

Que Nem Maré
(Jorge Vercilo)

Faz um tempão
Que eu não dou trégua
Ao meu coração
É você o meu lugar
Quando tudo por um fio está
Nada vai me fazer desistir do amor
Nada vai me fazer desistir de voltar
Todo dia pro seu calor
Nada vai me levar do amor

Faz um tempão
Que eu não dou asas
À minha emoção
Passear, distrair e me achar
Lá no fundo de ti
A saudade bateu
Foi que nem maré
Quando vem de repente de tarde
Invade, transborda esse bem-me-quer
A saudade é que nem maré


PS: É... Pois é. Ainda. Que coisa.
PS2: Que fenômeno esse do anonimato da rede... A gente fica com mania de contar a vida... Céus.

quarta-feira, 2 de março de 2005

JUAREZ MACHADO - Les Coulisses - 2002 Posted by Hello

Trim, trrriiim...

- Aaloou?
- Quem fala?
- Quer falar com quem?
- Sr. Paulo?
- Ele.
- Boa tarde, Seu Paulo. Permita que eu me identifique. Meu nome é Marisa e eu sou voluntária...
- Minha filha, não dá não. Tou no trânsito e vou levar multa se ficar aqui parado com o celular na mão. Uma outra hora, sim? Obrigado.
Trim. Trim.
- Alô?
- Sr. Paulo?
- Ele.
- É a Marisa, seu Paulo. Gostaria que o senhor me escutasse por um momento...
- Ai... eu já falei pra vc que agora não dá.
- Eu preciso falar com o senhor sobre...
- Será possível? Não me interessa, não posso ajudar. Se for doação, tou precisando de uma. Meu cartão de crédito tá bloqueado, não tenho cheque, não faço compras pela internet e estou contente com o meu jornal. Tá bom assim?
- Mas é que...
- Tenha um bom dia.
Trim. Trim. Triiiiim.
- Eu estou perdendo a paciência!
- Seu Paulo, é só um momento, por favor. É um caso de vida ou morte!
- Vou ser obrigado a desligar o meu próprio telefone!!
Trim. Trim. Triiiim.
- Não atendo e pronto.
Trim. Trim. Triiiiim. TRIIIIIM!
- Mãe! Ainda bem que é a senhora. Tem uma moça me enlouquecendo aqui no telefone, já deixei passar várias ligações e só agora que vi no bina que era o seu número, o trânsito não anda e eu...
- Paulo, cala a boca um instantinho. A moça que estava te ligando, como era o nome dela?
- Ah, mãe. Telemarketing. Sei lá.
- Faz um esforço, meu filho.
- Era Valquíria. Não... Vanusa. Não. Lembrei! Marisa!
- Minha Santa Bárbara... Paulo, essa moça acabou de ligar pra cá.
- Péra, mãe, outro guarda. Perseguição, só pode. Nem em posse de comandante tem tanta farda. Agora vai, mãe. Fala.
- Paulo, essa moça é do CVV.
- Do Comando Vermelho?
- Pára esse carro, Paulo!! Pára e presta atenção! Essa moça é do CVV, Centro de Valorização da Vida! É a Sônia, Paulo, a tua mulher...
- ...
- Paulo, vai pra casa agora. Ouviste bem? Agora!

No jornal do dia seguinte, nota de pé de página, no caderno da cidade. O marido tenta se justificar. Entrou na ruazinha do Méier cantando pneu e na contra-mão, bateu no muro da casa vizinha, destruiu a frente do carro, parte do muro caiu em cima de um menino de seis anos que jogava bolinha de gude e foi internado no hospital. Saiu do carro correndo, largou a porta de casa aberta, vasculhou o primeiro andar todo gritando a esposa, subiu a escada já aos prantos, entrou no quarto e o encontrou todo revirado. Roupas pelo chão, gavetas quebradas, duas garrafas de vodka vazias, fotos rasgadas e cacos de vidro por todo canto. Gritou de novo, olhou embaixo da cama, viu o fio de água avançando pelo chão e seguiu-o até o banheiro. Não teve coragem para abrir a cortina da banheira de louça branca. Desceu, chamou o advogado, a mãe, uma equipe de reportagem e depois uma ambulância. Encontraram o celular no quintal, destruído.

domingo, 27 de fevereiro de 2005

Tem Tio Sukita no samba

[este texto, sensível, bem-humorado e inteligente, só está podendo ser aqui apreciado graças à iniciativa de Roberto Moura, amigo querido, visionário e agitador 24 horas por dia, que está nos mostrando a importância de ações conjuntas, simples como essa e valiosa como poucas. Palmas para o talento das moças! Esperamos trocar muita figurinha ainda.]

Fernanda Canavêz e Paloma Moura


”Foram me chamar, eu estou aqui, o quê que há? Eu vim de lá, eu vim de lá pequenininho...". O convite foi feito: domingo vai rolar a nossa roda no Posto 9 - diz nosso famoso Tio Sukita, da Escravos da Mauá. Fala como que ao pé do ouvido, para que ninguém descubra tal pérola: a mais disputada roda de samba carioca nos últimos anos clama por discrição. O Largo da Prainha ficou pequeno para a mocidade que aprende a admirar os grandes bambas do samba. Entretanto, como "o samba agoniza, mas não morre", a concorridíssima velha guarda aposta no reduto jovem, o Posto 9, para perpetuar a roda da escravidão.
Saímos de lá pequenininhas, "o que é que há", para ouvir famosos hinos fundamentais em uma roda de muito estilo. Samba de qualidade, fim-de-tarde em Ipanema, encontro com as amigas... O que mais poderíamos querer? Momentos tão simples e agradáveis já começam a deixar saudade. Será que vai ser para sempre? Será que nossa amizade vai acabar? - já questionava uma de nós outro dia. Talvez não, nem tudo "caminha no mesmo lugar, sem pressa, sem medo de errar". O encontro de gerações já nos leva a pensar no futuro. Como seremos?
Uma senhorinha serelepe começa a dar o ar de sua graça entre seus companheiros de meia idade. Um vestidinho divertido, corpinho de Barbie e suquinho Gummie na carcaça!!! Afinal de contas, ninguém consegue dar pulinhos de alegria na areia por tanto tempo. De repente, vê nosso Tio Sukita e dispara em sua direção para uma saudação calorosa. Nem reparou que, em sua jornada, foi jogando areia em quem escutava calmamente a cantoria. Volta ao seu palco particular e continua sambando: alegre e sozinha, como se nada mais fosse necessário para deixá-la satisfeita.
Nossa "menininha" era observada atentamente por uma coroa alta (é, comprida mesmo), que carregava uma garrafa de água. É, água mesmo, daquelas que os passarinhos bebem. Seus cabelos lembravam Maria Bethânia, claro que não eram só os cabelos, afinal sua postura e olhar melancólicos se destacavam no meio das alegres senhoras que cantavam os sambas e se emocionavam, como que seduzidas pelos seus próprios retratos.
Estavam ali, na areia fria, identificadas com os causos mais
inusitados, relatados pelos sambas mais, talvez, ginasianos, sugerindo a todos uma eterna pergunta: o que resta de nós senão estes versos? Poderia eu, ter escrito isto? Fala de mim ou fala de todos?
A pergunta adormece por alguns instantes, quando mais um copo de cerveja é entornado. De repente, um grito emocionado anuncia: "Acreditar, eu não. Recomeçar, jamais!". Nele, se misturam todos, no intenso canto de identificação do amor acabado. Os serenos ouvintes se levantam e se juntam aos mais empolgados para cantar, todos, o seu hino. Olha-se para um lado e lá está ela, enrolada numa canga preta, sorridente, cumprimentando um bebê de colo. Era ela, o retrato do nosso futuro, com um olhar tranqüilo, meio despretencioso da vida. Veja bem, não era triste e sim descompromissado. Seu dançar e seu caminhar eram leves e sua simpatia, há que ser confessado, muito nos invejou.
Ainda admiradas pela dama de negro, fomos surpreendidas por uma cena no mínimo dantesca: uma senhora um tanto quanto curiosa brinca alegremente com sua dentadura. Travando uma luta na qual a única perdedora poderia ser sua imagem perante os colegas de roda, a moça futuca para lá e para cá, na tentativa de minimizar sua ansiedade. Ansiosa por quê? Talvez por ter perdido o brilho de
sua juventude, por não saber entoar os cânticos universais que eram tocados?
Certamente, a criatura "resolveu ficar, é que os momentos felizes tinham deixado raízes em seu penar". Não entendeu direito o "enredo desse samba amor", quando negligenciou a advertência de Dona Ivone Lara. É isso aí, amigas, "a vida foi em frente e você simplesmente não viu o que ficou pra trás!" Como seremos? Não sei, há que se atentar para a simpatia que, diga-se de passagem, é quase amor. Envoltas numa canga preta, ouçamos mais Dona Ivone. A princípio nos restam muitos carnavais e tomara que, dentro de alguns anos, não nos reste como única diversão o embate com nossas dentaduras!!!!