sábado, 17 de setembro de 2005

Sagração à inteligência

(para Fernando Toledo)
Áurea Alves

Poderiam meus braços ser mais longos a ponto de se estender por 420 km e alcançá-lo. Poderia o livro do lado tê-lo prendido por mais alguns minutos. Poderia um amigo tê-lo chamado para discutir literatura russa ou a dicotomia existente no ambíguo mundo das HQs. Talvez um novo invento, a reinvenção do País, talvez algo pudesse mudar. Talvez a força de um super-homem virando o mundo e o tempo, no supra-sumo da imaginação, movido pelo amor piegas e pela ignorância completa da Física. Talvez apenas eu pudesse gritar-lhe o nome avisando que chegara para encontrá-lo.

Poderia apenas contê-lo eufórico diante do microcomputador para escrever um artigo sobre Mahler ou James Joyce. Talvez um chamado, o gritar de alguém, pudesse acordá-lo, ineditamente, como nunca precisara acontecer antes. Talvez o menino que aprendera a ler Edgar Alan Poe aos oito anos não pudesse mais retornar. Talvez.

Era certo que andava feliz e trabalhava como louco. Era certo que tinha ao lado a companheira que o respeitava e o enxergava como o homem de sua vida, o grande homem que era. Era certo que sabia ser da mulher o que ela esperava dele - tudo, nem mais um pouco. Sabia beijá-la na hora certa e tomá-la livre, sabendo-se dela.

Era certo que tinha uma inteligência anormal e que - mais que tudo - amava o bom uso desta qualquer que fosse o ambiente em que se encontrasse. Era certo que domesticava a alma lendo desesperadamente. Não temia demonstrar seu conhecimento, compartilhando-o com o mundo: tinha orgulho de saber-se.

Era certo que pensava em fazer um chek-up e deixar o cigarro.

Era certo que por sua cabeça passavam as grandes piadas, próprias das pessoas que não são amargas. Era certo que seus livros, grandes amigos, eram especiais cúmplices e professores em sua pós-graduação e doutorado fora das amarras, dos calendários e dos programas da Academia.

Era certo que seu ouvido aguçado, a ponto de não incomodar-se com a rotação fora de ordem de um toca-discos, sabia filtrar as diferenças e identificar a voz cristalina de Ella Fitzgerald e os legatos de Louis Armstrong. Era certo que me amava e chorava por mim ouvindo George Gershwin e Pixinguinha.

Fernando Toledo morreu aos 37 anos, atropelado por um ônibus, quando chegava em nossa casa, na Tijuca, Rio de Janeiro. O acidente provocou a fratura de seu crânio e, ironicamente, seu cérebro nunca mais funcionou. O hemorragia, que os médicos não conseguiram conter, poderia traduzir-se como o implorar de seu sangue para recuperar a antiga função dos neurônios, pois Fernando tinha nas veias o desespero de conhecer e amar.

Foi meu grande companheiro de longas conversas, de textos e trabalhos e de uma jornada amorosa de 1127 dias inesquecíveis. Perdi sua voz, perdi seus gestos e sua emoção incessante, mas não perdi sua memória e é a ela que dedicarei minha vida. Isso é certo que eu poderei.

quinta-feira, 15 de setembro de 2005

Palavra de Mulher



De: Chico Buarque
Canta: Selma Reis
(não, não adianta procurar... quem não ouviu ao vivo, só pode torcer pra que ela grave. )

Vou voltar
Haja o que houver, eu vou voltar
Já te deixei jurando nunca mais olhar para trás
Palavra de mulher, eu vou voltar

Posso até
Sair de bar em bar, falar besteira
E me enganar
Com qualquer um deitar
A noite inteira
Eu vou te amar

Vou chegar
A qualquer hora ao meu lugar
E se uma outra pretendia um dia te roubar
Dispensa essa vadia
Eu vou voltar

Vou subir
A nossa escada, a escada, a escada, a escada
Meu amor eu, vou partir
De novo e sempre, feito viciada
Eu vou voltar

Pode ser
Que a nossa história
Seja mais uma quimera
E pode o nosso teto, a Lapa, o Rio desabar

Pode ser
Que passe o nosso tempo
Como qualquer primavera
Espera
Me espera
Eu vou voltar

Réquiem para um girassol

Fausto Wolf

(como prometido, o lindo texto escrito pro Fernando e publicado no JB.)

Quando um homem mete na cabeça que quer fazer papel de idiota, dificilmente alguém pode obrigá-lo a mudar de idéia. Isso aconteceu comigo, quando fui convidado pelo PDT para disputar uma cadeira de deputado federal em 1990. Pedi dinheiro ao partido e disseram-me que eu tinha de dar-lhes certa quantia em dinheiro - mil dólares se não me engano - em troca de alguns bônus que eu me encarregaria de vender. Desisti na hora e, diante disso, eles desistiram de me cobrar a grana.
Só estou falando nisso porque no meu único (sei do cacófato) comitê na Rua da Lapa, 24, o Madame Satã, vinha muita gente trabalhar de graça. Um deles era um rapaz magro, desengonçado, voz característica, pois engrolava os érres, cabelo encaracolado, que parecia estar sempre de bom humor. Não devia ter mais de 20 anos. Ele ficava no comitê e distribuía material, instruía eleitores que quisessem me ajudar. Entre um comício e outro - sem que ele visse - ouvi-o explicar claramente a mais-valia e seus efeitos a um grupo de operários. Ficamos amigos e ele - como mais uma meia dúzia de moças e rapazes - tornou-se uma espécie de filho emprestado.

Eu e Fernando, este seu nome, jamais deixamos de manter contato. Nesse meio tempo, ele se casou com Áurea Alves, como ele, uma das maiores estudiosas de música do Brasil.
Autodidata, falava várias línguas e escrevia muito bem. Para dizer a verdade, ele estava entre os dez jornalistas que melhor escrevem neste país. Quando leu Joyce, foi paixão à primeira vista e não conheço ninguém que conhecesse melhor os truques literários do grande escritor irlandês. Porrista como o autor de Ulysses era coisa que Fernando também era, mas seu porre tinha uma alegria calma. Continuava inteligente. Gostava mais de escutar, sempre olhos fixos nos teus e um sorriso que demonstrava o incrível prazer que tinha em aprender algo novo. Era um prazer dar qualquer coisa a ele - de um chope a um livro - pois parecia que você estava sempre lhe dando o mundo. Morava na Lapa e o dinheiro lhe era de pouca serventia, pois o usava apenas para pagar suas contas, comprar suas canas e seus livros.
Atrás daquele garoto com cara de nerd gozador havia um grande filósofo encontrável, aliás, na resenha que publicou neste Caderno B, no dia 27 de julho último, sobre um livro menor de Herman Melville, Bartleby. Trata-se de um escrivão de Wall Street que descobre a mediocridade da vida que leva e começa a se recusar a fazer tarefas sem dar justificativa a não ser que a tarefa não lhe agrada. O homem negando-se a permitir que o transformem num objeto. Este era o Fernando. O que aos outros preocupava - sucesso, dinheiro, boa vida - estava em terceiro plano para ele. Um dia telefonou-me da Finlândia. Fora fazer um curso de projetista de instrumentação meteorológica para aeroportos. Explicou-me que era um trabalho que não o obrigava a pensar fora das horas de trabalho. ''O resto do tempo é para ler, escrever e ouvir música e beber.'' Não tinha um inimigo porque não discutia bobagens. Uma vez por mês bebíamos e eu tomava conhecimento dos seus progressos literários. Um gênio, tinha um cérebro privilegiado, um bom coração e não mentia nunca. Confirmação viva da minha teoria de que, se lhe derem o básico, o homem será feliz, pois nasceu para isso. Pretendo encontrar um editor para sua obra. Será o nosso grande póstumo.
Nos últimos anos perdi alguns dos meus melhores amigos - Albino Pinheiro, Elmar Machado, Ferdy Carneiro, Silvio Redinger, Jurij Moskvitin. Estes, porém, já haviam se preparado para a visita da sinistra senhora. Fernando Toledo morreu aos 37 anos, uma semana atrás. Às nove horas da noite. Três dias antes, fora atropelado na Muda por um irresponsável em alta velocidade. Conversei com ele em seu coma. Não respondeu. A morte levou um homem que tornaria qualquer rua, qualquer cidade do mundo um lugar melhor para se morar, um criador. Talvez houvesse descoberto coisas que não interessava ao Infinito revelar. Por isso o levaram. Como quem corta um talo de girassol com uma espada.

sábado, 10 de setembro de 2005

CORRICANDO NO RECANTO

ILHA GRANDE – PARTE 1

Então.
Aí meu pai fez aniversário na semana passada. E a Dodô, uma pessoa que eu costumava considerar pelo menos razoável, inventou uma viagem pra juntar o Hospício Blanc com a Turma da M.A.R.I.A. (Magnificante Agremiação Realizadora de Içamentos Alcoólicos).

Sempre pensei que a maior reunião de malucos do universo estava ou no Estephanio’s ou na minha casa. Enganei-me nas duas. Nunca tinha visto nada parecido e olha que eu já fui pra tudo quanto é canto nas piores companhias – espécie de péssimo hábito disfarçado em causa humanitária – mas desse jeito... impossível. Na escala de insanidade:

(na foto: Roberto, Basile, Aldir e Ivan)

Roberto, o anfitrião: o dono da Pousada Recanto das Estrelas é o louco-mor, por ter aceito receber essa turma. Construiu uma linha de defesa formada por Bárbara, doce Bárbara, e os funcionários Rose, Franklin e Luciana, zagueirões à antiga pra fazer frente ao ataque dos hunos. Professor emérito da nossa oficina de Gargalhada para Agradar o Sogro.

Aldir, o desversariante: a-do-ra essas datas... Mesmo assim, pintou e bordou. Fez serenata de madrugada, dançou fados, polcas e outras menos conhecidas. Ficou emocionado quando descobriu que a travessia Mangaratiba-Abrahão seria feita na barca Lagoa, a mesma que tantas vezes o levou na adolescência para Paquetá, e por pouco não acabou com o Jack Daniels que abasteceria três dias de viagem. Na viagem de volta, tentou seqüestrar o filho de uma desavisada e perplexa criatura.

Dodô: imbuída do espírito coordenador 24 horas por dia, organizou todo o passeio, os horários, a van, o pagamento, a divisão dos quartos, a cota de vodka e de porções do churrasco pra cada um, a cor das camisas do Franklin pra melhor combinar com a decoração dos quartos, a distribuição das bolas de soprar pelas crianças por cor, o método de feitura do arroz, os horários de dormir do Basile e, num momento de maior tumulto, por pouco não convenceu o Sérgio Touro a trocar a Gilda pelo Eduardo Gordo.

Ivan, o terrível: pescador incansável, foi de corrico do continente até a pousada, passando inclusive pelos paralelepípedos da vila. Dizem que só conseguiu mesmo pescar o Basile, seu companheiro de quarto. Teve um ataque de espirros que nos fez rir durante hora e meia. Imagina um sujeito desse tamanho que espirra assim: Aaaa...fiiissssss... Céus. Olha ele aí na foto ao lado, corricando tranqüilamente sob o céu de deputado!!

Mello Menezes: autor de diversas façanhas famosas, conseguiu acrescentar outras tantas ao seu invejável currículo. Pouco depois de ingressarmos na Lagoa, com uma inacreditável imitação de apito, Tio Mello fez tripulação e comandante baterem cabeças (início de tumulto, passageiros correram, duas caixas de tangerina caíram no mar, houve disputa de salva-vidas, tendo o Ivan conseguido apenas, e com algum custo, pôr um em cada pulso). Acabou provocando prematura partida da barca. A Capitania dos Portos instaurou inquérito investigativo tentando esclarecer o mistério. E eu não tenho isso filmado porque sou uma azêmola...

Basile: recebeu do Mello o carinhoso apelido de “Tia Ciata”, tanto por seu vastíssimo repertório quanto pelo... ahn... conjunto da obra, eu acho. Sempre um dos primeiros a acordar e um dos últimos a dormir, na maior disposição. Campeão do TIPS, Torneio Intermunicipal de Puxa-Saquismo. Segundo Isabel, presidente do comitê de organização do torneio, a vitória deu-se pelo singelo placar de 1.437 X 15 do segundo colocado.

No quesito façanhas coletivas, a melhor aconteceu na noite de sábado, quando nosso heróico anfitrião foi surpreendido pelo contingente de segurança pública da Vila do Abrahão, formado, na verdade, por um único guarda. Perturbação da ordem, muita reclamação dos vizinhos... enfim. Até num lugar desse, a Turma é caso de polícia!

[Aguardem os próximos capítulos. ]

terça-feira, 6 de setembro de 2005

DAS PARTES E DO TODO

Quem sabe se, pagos alguns de meus silêncios, eu pare de ouvir a voz que me cobra incessantemente ter saído do único lugar onde não me faltam tantos pedaços...

PS: a revisão tornou-se uma impossibilidade etílica. Queixumes para a redação.

SINFONIA DE BEM-TE-VI

O pai da moça sempre foi assim: arredio, estranho, malcriado, genial, chorão, egoísta, ensandecido, amantíssimo, devotado, fiel, imprevisível, brilhante, teimoso feito uma porta. O pai da moça imita bem-te-vi, bem que mal, mas tão bem que ela nunca viu igual. O pai da moça faz uma falta absurda... sumido no meio dum sertão árido de incongruências, deixou de dar conta de tanto amor. Culpa nenhuma. Culpa dela, que sempre foi maluca. Por ele, verdade, mas maluca. Todo dia faz falta o peito do tamanho dum continente, pêlo de barba com sorvete de flocos e restos desindentificáveis, um cheiro meio doce e azedo, sola de pé que nunca fica limpa, taça de cristal da bisa, Monteiro Lobato pintado de lápis-de-cor, mofo com cerveja, saudade do bisavô-vô-pai gigante, turno na janela de madrugada, abrir a porta pra ver se tá bem fechada, Condessa de Smirnoff, bisavó já morta dentro do armário, porta de ferro com janela de treliça... “O sabiá sabia já”: Bem-te-vi, tanto bem, bem de longe, bem de perto, bem toda hora-toda, bem pra mim, bem-te-vi pra sempre...

TOLEDIANDO (às vésperas de um mês)



Eu toledeio todo dia.

Não, eu não me lembro do dia em que nos conhecemos. Não me lembro da primeira vez que ele me chamou de irmãzinha, sempre com a asa protetora sobre a minha cabeça. Não sei contar quantas brigas foram compradas um pelo outro. Ele chegou, sorriu, venceu meu coração e depois eu chorei. E o nosso amor de irmão mostrou que veio pra ficar por toda a vida, mesmo quando minha loucura insista em discutir por discutir, só pra sustentar opinião. Hoje é mesmo a saudade que diz quem tinha razão. Sempre achei que ser irmão era isso mesmo, essa admiração, esse olhar orgulhoso quando ouvia frase inteligente – e olha que eu ficava orgulhosa o tempo todo - , um sem-fim de coisas pra dividir e aprender. A gente enxerga mal. Tem língua presa. Perdoa e tem acesso de fúria. A gente gosta de madrugada e se pela de medo do tamanho que ela tem. A gente sofre pela Síndrome de Veríssimo, não vai dar tempo de ler tudo que a gente gostaria de ler... A gente confia demais. Sofre demais. Irmão briga também. Eu varri mágoa debaixo do tapete. Joguei muito Steinhaeger no meio da rua. Fui arrastada pra casa, “pra pensar melhor”. Pedia socorro e ele vinha sempre imediatamente. Às vezes ele chegava antes mesmo do pedido. Dizia que precisava cuidar da minha instrução, que eu era um pouco burra às vezes, olha como era bonzinho comigo, eu um poço de ignorânça... meu irmão amado, o Girassol. Eu nem sei como foi essa escolha do Fausto pelo Girassol (vou postar esse texto-homenagem, publicado no JB, aqui depois), mas pra mim foi uma coisa muito louca. Girassol é uma das minhas prediletas. Não dá pra dizer que ele fosse diurno, matinal, refrescante como Soda Limonada, mas sempre procurou a luz. Sozinho. Aos trancos e barrancos, Fernando Toledo procurava a luz e achava. Por dentro das próprias veias, no meio do nada, atolado até os senões de vazios. Sozinho. Eu tentei ajudar um pouco, infantilmente diante de tanta lua. Briguei muito. Eu sustentei conversa absurda de madrugada pra fazer meu irmão dormir. Consertava camisa pra fora da calça e mandava engraxar os sapatos. Perdi cabelos pensando “onde esse puto se enfiou” quando sumia, na maioria das vezes ele sumia pra dentro de um livro, e a minha cabeça rodrigueana pensando sempre as maiores tragédias e ele aparecia no dia seguinte no telefone dizendo sempre: “-Senhorita Mariana Blanc? Teu irmão!” e eu ia dar uma choradinha num canto depois, desbordando o excesso de afeto. Faltei - piadinha familiar - 97 dos 16 almoços marcados na casa dele pra não ver a solidão, pra não enfrentar minha pequenez diante dum sujeito que viu todos os demônios dos infernos e fez questão de rir de cada um. Quando a Áurea, a mulher da vida dele, o grande amor, chegou, eu nem acreditei. Tinha uma flor no caminho, do tamanho do meu Girassol, que ia cuidar, que ia proteger, e ela fez tanto, se eu hoje tenho consolo na paz de espírito da partida, ela é a única responsável... eu guardo o primeiro sorriso dela no Estephanio’s até hoje, “vem, Mari, eu quero que você conheça... e me diga o que você acha”... eu acho que não podia ter acontecido nada, NADA melhor. Virou minha amada também. Silencio o resto dela, e a Dona Sõnia e o Seu Levi, Paulo e Carla, por absoluta impossibilidade nessa hora.
Irmãozinho, eu queria fazer soneto, serenata, eu queria escrever um Ulisses de Fernando. Eu queria achar sentido pra tua passagem, pra esse atalho na Terra. Mas eu, por hora, só encontro as poucas páginas dos livros que vc me deu, um disparate de ausência e a surdez da saudade abissal que eu sinto. Encontro um profundo arrependimento das conversas que a gente não teve, das viagens que não fez, do amigo mais justo e desprendido que tive na vida. Pela terceira vez a Conspiração me mostra Perda maiúscula. E eu ainda não aprendi o que fazer com essa merda. Deve ter arco-íris em algum lugar e eu espero vê-lo-ver-te em breve.



Se é tarde, irmão, me perdoa... eu vinha só cansada...

DOS MEUS SILÊNCIOS

Dulce Pontes - Canção Do Mar
Fui bailar no meu batel
Além do mar cruel
E o mar bramindo
Diz que eu fui roubar
A luz sem par
Do teu olhar tão lindo
Vem saber se o mar terá razão
Vem cá ver bailar meu coração
Se eu bailar no meu batel
Não vou ao mar cruel
E nem lhe digo aonde eu fui cantar
Sorrir, bailar, viver, sonhar contigo

Já são semanas, meses de mutismo absoluto, de imobilidade construída, de imperturbável abstenção. Meses de estranhamento. A verdade é que ando me privando de meus próprios pensamentos. Tenho deixado a mente como uma jangada perdida no meio do oceano em plena tempestade, torcendo apenas pra que o dia acabe, pra dar conta das coisas básicas, de comer, de dormir ou não, limitando a existência a tal simpleza que mesmo banais decisões de termos e construções, inerentes à escrita, me são custosas.
Silêncio pra não falar de coisas várias. Silêncio pra distância dos amigos; pra morte aburda, violenta, irreparável e inestancável do meu irmão; pra incompetência; pra saudade do Edu e da Dani – ah, meus parâmetros... - do Estephanio’s e da Marcela, da Lu, da Beth, do Fé e da Brinco, do Cachorro (achei um livro dele até) e da Cris, do Dedeco, Branco, Zé, da turma toda, todo mundo, do Erasmo e do Léo; silêncio pra decepção com o PT, meu primeiro delírio de ser sujeito histórico; pra falta absurda que meu pai me faz há dez anos, todo dia; pra falta até hoje imperdoável na formatura da vó Emília; pra incompetência...
Mas a Conspiração Universal não me deixa em paz. Sei lá se é benção ou praga. É fato. E esse final de semana, uma inacreditável excursão a um paraíso perdido, me deu o que pensar, logo eu que não queria pensar nada, logo eu que achei que podia ficar disfarçada da vida num canto, fui obrigada a tirar a máquina de delírios da inércia. Vou contar direitinho depois a parte factual dessa viagem pra Ilha Grande com meu pai, Dodô, Bel, Milena, Tati, sobrinhos, tios e a impagável turma do Bar da Maria. Prometo que conto. Depois. Primeiro eu queria pagar meus silêncios. Licencinha...