domingo, 18 de dezembro de 2011

Para quem mora nas nuvens

Para MP, como os meus minutos.
Trilha: Renato Braz - Dulcinéa

Do alto da tua estatura de monumento, de impávido colosso, é normal, há de ser, não ver as coisas pequenas da terra, os grãos.
Daí das nuvens continentais onde moras, deve ser difícil compreender o que é pequeno. A vista se acostuma aos horizontes infinitos, ao sabor estalado na língua das estrelas mais distantes, provadas como bala de coco, e os ventos de força bruta só te fazem carinho nos cabelos. Daí só escutas o sussurro das preces – o clamor voraz em que insistem e se apegam os mortais é só um eco de corda solta em teu sereno despertar. Não há senão grilos morando dentro das madrugadas que atravessas a passos de eternidade.
Mas ouve.
Para além dos grãos miúdos, há matizes de luz que se refletem em gotas ermas de orvalho. Há o cheiro da cheia, que traz passarinho. Há pés pisando grama molhada em dança de festa, por baixo de rosas, por cima de ouro. Há trens de ferro ganhando encontros, sardas triscadas no ombro das moças, ritos de adeus.
Há cantos de cantar só, há passos de atar junto. Méritos de descasos, de ocasos, de perdões negados, um dia atrás do outro irrompendo de girassóis teimosos brotando entre um pesadelo e um pilequinho.
Há a beira do mar. O som das ondas faz lembrar de espiar o mar além e traz esse calor no peito que ergue, involuntário, o olhar para o céu.
Eu, da beira da praia, espero as ondas. E elas quebram, nascidas de um colosso espraiado dentro do delírio de um marlim.
Daí, tu não me verias.
Não fosse o amor que tenho, que fez de mim um pedaço do mar que te trouxe, não me verias. Foi uma ousadia feita de faíscas, de sem-chão, de nomes que não existem desde que o último deus veio provar arrepio de Sol na pele úmida. Mas com preço alto a pagar.
É certo que me faço em chamas, nada sobrevive a tanta luz.
E ainda assim o que deveria ser uma condenação renasce a cada dia, em desenhos de pedra-mármore fastiadas de perenidade.
Todos os dias eu morro consumida em labaredas por chegar perto do Sol. E todos os dias eu preciso colar a pele escarnada com a saliva grossa da minha ignomínia, preciso lamber de volta meu próprio sangue do chão, enfiar os ossos despedaçados por dentro dos músculos rasgados, tirar da córnea o sal, apontar a alma para a coragem e de novo esperar que o amor me erga até onde possas me ver. 
E lá, no alto do meio-dia, eu vou sorrir sem dor, amando o amor de todos os mundos. 
A rotação da Terra irá estirar aos poucos a minha pequenez e alertar meu vaticínio, e vou agradecer apenas por ainda outra vez poder olhar os teus olhos. Em segundos, estarei novamente em chamas e serei miragem, lenda de ensinar o mistério que mora dentro da espuma deixada na areia. Vou então chover em lágrimas e esperar a hora largar o escuro.
E assim será enquanto as ondas moverem o mar.

“Os deuses são deuses porque não se pensam.”
Fernando Pessoa

sábado, 15 de outubro de 2011

Da arte de ser feliz





Por causa de Sorriso Maracanã


Há pessoas que carregam em si uma capacidade infinita de serem felizes. Parecem estar em permanente estado de graça e ainda, com absurda generosidade, contaminam os demais, com doses descomunais de amor espontâneo e genuíno. São assim porque é o que há pra ser – já que se está vivo. Cada dia é o grande dia.

Há outras pessoas que parecem carregar um bezoar de angústia enterrado no coração. Não é sua culpa. Foi posto lá antes da vida, antes que elas se dessem conta de que estavam predestinadas a serem felizes.

E há um terceiro tipo: gente que vive uma vida inventada, à custa do que é alheio, e acha, chega mesmo a jurar, que é feliz (obviamente mais feliz que todo o resto dos mortais). Esses se apropriam do que não lhes pertence, do que não criaram, do bem que não fizeram, das juras que não cumpriram, exaltam que são seus os joelhos esfolados pelas promessas que não fizeram nem pagaram, como se tudo isso fosse obra e graça do próprio esforço. Confundem o sentimento dos impotentes com doação, chamam carência de amor, transmutam um gesto de compaixão em carestia de dádiva incondicional. Creem, e (assombrosamente) espalham a notícia, que são a Lua que Sol namora para o dia se pôr. Eles invadem e expugnam o juízo de quem quer paz e, por isso, confundem o pacifismo com fraqueza, quiçá aceitação. Enfim, não são capazes de ver o mal que causam, não veem a eminência parda da própria arrogância, não sabem o quanto são apenas pequenos e... infelizes.

Então por que é que gente assim nos exaspera? Por que não podemos ignorar os delírios de grandeza dos que se apropriam do que é nosso por direito e deles, como tanto afirmam, por usurpação, distorção e grossa insistência? Por que, para esses, as mentiras repetidas se tornam verdades tão facilmente?

Chego ao ápice da curva dos indignados e descrentes. A humanidade é um poço de incompreensão e ruído.

E ainda é preciso, é preciso, é preciso ser feliz.

Se não é possível incutir um pouco de ridículo nessa gente, como seguir?

Se não é possível abandonar esse castigo da eterna consciência crítica de si no mundo, como sequer argumentar com indiligentes, sempre surdos ao que lhes foge ao umbigo?

A resposta é a mais simples e, a um só tempo, o ato mais custoso. E que nos devolve ao primeiro tipo de pessoa, os genuinamente alegres, que vieram com esta função de fábrica.
Ser feliz – infelizmente – nada mais é que um exercício incessante de relevar e perdoar.
Ô troço difícil do caralho!

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Inconfessável


E não mais falar nem ouvir.
Nem justificar, nem perder.
Nunca mais chegar,
que só chega quem parte.

E viver na sombra da tua mão
rescender diante do seu olhar,
depois de cada morte,
baile eterno de Tanatos
rodopiando Eros ao som da ausência,
da fúria,
do delírio,
nunca devolvendo o que tirou pra si.

E jurar pra sempre,
mentir que sim,
calar que não.
Esquecer as horas, ceder insone,
soltar amarras zarpando às cegas,
honrar o nome do teu nome,
todas as madrugadas são tuas,
o coração é meu,
o risco é nosso,

e teus serão os dias,
o tempo roubado,
cada instante é acendrado
em beijos de ardidez,
e vão sendo feitos teus
todos
os
minutos.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Nero Wolfe em "Amigos demais"

Nero Wolfe é um detetive de ficção criado por Rex Stout. Meu detetive predileto. Por isso mesmo, dá nome ao meu gato.

Queridos,

Atualizando as notícias de Wolfe. Meu filho foi operado. Foi necessária uma penectomia. São Google salva, eu tenho nervoso só de explicar. Mas garanto: era estritamente necessário.

Como há mais dois gatos e um labrador em casa, era preciso resguardá-lo. Até porque ele estava de abajur, e entupido de opiáceo. De maneiras que (apud Luis Filipe, sempre) foi preciso deixá-lo no único lugar da casa que oferecia condições: o banheiro. Prazo inicial: dez dias. Prazo efetivo, por conta de fim de semana, agenda de veterinário etc.: 15 dias. Adivinhem quando ele começou a reclamar? 11º dia. É um gentleman, acordo é acordo, ora (sem) bolas!

Hoje ele tirou os pontos e foi liberado da clausura. Nossa miúda rotina voltou ao normal. Ele, que é meu Solal des Solal, o senhor do meu castelo, veio, pela primeira vez em um mês e meio, receber-me na chegada. Ele e sua indisfarçável nova mancha branca no pescoço, marcada no meio do veludo negro entre a quarta internação e a cirurgia, aquela que não vai nos deixar esquecer. Dessa vez, esperou ainda do alto da escada, como se quisesse se fazer ver, mostrar-se grande, provar que toma conta de mim. Fui ao banheiro, ele atrás, todo o ritual cumprido: rodeou minha perna esquerda e a direita depois, sentou, me paquerou com aquele olhar indizível de bom-filhadaputa, ronronou, subiu as patas dianteiras nos meus joelhos, olhou ainda mais intensamente, pediu beijos e virou esfinge enquanto eu terminava de lavar as mãos.

Entrei no quarto, ele, atrás. Num gesto rápido, exibindo sua condição de macho (quem fizer piada com a cirurgia não sabe nada do amor) e de cuidador recuperado, subiu na cama, afofou o travesseiro e mostrou o quanto estava feliz e ansioso por dormir pela primeira vez em meses com a mamãe.

Já chorando feito uma vaca, eu me lembrei de agradecer.

Ao meu pai, por ter entendido não desistir. Milena, é nós tudo muito coisa. À Gisele Giornes, pelo conjunto da obra. À Renata, meu arrimo. Ao Edu, compadre amado, pela campanha e por ser verbo de permanência, não de estado. Ana Lucia, porque mãe é coca-cola e é isso aí. Bel e Cecília, porque é preciso muito amor. Thaís, véia, por emergência de madrugada (beijo pra tia, que eu nem sei o nome, obrigada, obrigada). Ao Sérgio F., por nunca deixar de perguntar. A todos os veterinários que sempre reconheceram que ele é especial, que meu filho não é desse mundo. À Pati Borde, porque não é toda esperança equilibrista que tem rede embaixo. Mari Ervilha, pelas ofertas puras e genuínas. Vicente, pelos abraços. Suelen, por fazer a Enterprise viajar na Dobra. Ao Luidi, a reconfortante onisciência. Marcela, ah!, flor de ouvidos permanentes... À equipe maravilhosa da qual eu faço parte, e que teve, IMPRESSIONANTEMENTE SEMPRE, uma palavra boa, um gesto de preocupação, um afago pra dar. E ao Rodrigo, por devolver meus sorrisos quando tudo parecia fadado a falhar.

Meu filho, meus amores, está em casa.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Trilha sonora para emoções pré-carnavalescas

CRAVO E FERRADURA

(Cristóvão Bastos - Aldir Blanc)

Primeiro foi um som leve
de peneira peneirando
o mar de ideias de um louco,
a água dentro do coco,
foi crescendo entre palmeiras
e tambores batucando.

Um balbucio, um rugido
um som de tragédia e circo,
som de linha de pesca,
som de torno e maçarico.
Veio um som de escavadeira,
bate-estaca, britadeira,
um som que machuca e lanha,
um som de lata de banha.
Som de caco, som de tralha,
era um som de mutilados
quebrando gesso e muleta,
um som de festa e batalha.

Ah, era um som que me orgulhava,
som de ralé e gentalha,
era o som dos prisioneiros,
som dos exus catimbeiros,
ai!, era o som da canalha:
trovão, corda, baticum,
som de cravo e ferradura
Dez mil cavalos de Ogum!

Esse é o som da minha terra:
som de andaime despencando,
de encosta desmoronando,
de rios violentando
as margens do meu limite.
Samba, samba, samba,
pulsas em tudo que existe,
vazas se meu sangue escorre,
nasces de tudo o que morre.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Goiaba Embaixatriz - Aniversário de Renata, Mila, Mariana e Pierre

Hora: sábado, 19 de fevereiro · 14:00 - 19:00

Localização:
Embaixada Carioca
Gomes Freire, 533 - segundo piso - Lapa

Amigos,
Renata, Mariana, Mila e Pierre vão comemorar seus aniversários com muita música, ao som de Fhernanda Fernandes e Sidnei Cajon no Embaixada Carioca. O evento será à tarde, para o bar ser todo nosso (Oba!). Todos os amigos aquarianos que quiserem se juntar à festa, é só chegar e soprar as velinhas (ou seriam velhinhas?) conosco, ok?
A cerveja é de garrafa, os petiscos deliciosos.

Local: Embaixada Carioca
Endereço: Av. Gomes Freire, 533 - segundo piso - Lapa
Data: 19/02/2011 (sábado)
Horário: 14 horas
Pedimos aos amigos que cheguem cedo, para podermos aproveitar ao máximo a tarde.

Músicos amigos e queridos, se puderem ou quiserem, apareçam armados, com seus instrumentos, serão super bem-vindos! O bom de ser à tarde também é que quem trabalha à noite poderá participar.
Será uma tarde de confraternização e declaração de amor à amizade.

Um beijo e esperamos vocês lá!

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Das despedidas silenciosas



Escreveu o bilhete na penumbra, com saudade do futuro, desprezo por ele, pena de si.
"Caule frondejante de esforço duvidoso, raiz extirpada por agudeza, abcisão de delírio. Pá de cal em fé demente, a fé é sempre urgente, a dor se dá a quem a alimente.
Teriam as bolhas nublado a minha visão? Será que ficou nítido o bastante que a vontade era apenas a de ter uma despedida? 
Uma que estivesse à altura da paixão acometida e que me deixasse ir sem olhar pra trás... Sem lamentar o que jamais vai pertencer, sem juntar sobras do que não aconteceu.
Uma despedida cínica, que fingisse não se importar de sentir tanto frio, e que despejasse, de uma vez, todos os meus silêncios dentro de uma humilhante gaveta erótica, repleta de casos e descasos, onde ficarão perdidos pra sempre.

Eu nem sei se será longa, quanto mais definitiva. Que seja então, depois de rebramante frio, das esperanças abreviativa."

Marcou a ponta inferior direita do papelzinho com um beijo de batom fúcsia e saiu pela porta com a impressão de ter, numa decisão inédita para seu pouco juízo, desistido cedo demais.

Carta de amor
(Jota Maranhão / Graci Felix)

Sinto muito, amor.
Enquanto dormias,
Eu velava o teu sono,
Imaginava o que seria o abandono,
O que a vida me queria reservar.

Sinto muito, amor.
Eu que queria envelhecer aqui.
Sei que a vida esperava mais de mim.
Sei que você vai me entender...

Hoje acordei te amando muito mais,
Enlouqueci só de pensar em te perder.
Não sentirei por mais ninguém o que sinto,
Mas, sei, aqui não é o meu lugar.

Sinto muito, amor.
Sei que a saudade me fará refém,
Mas a realidade se faz pra nosso bem.
Sei que você vai superar...

Hoje acordei te amando muito mais,
Enlouqueci só de pensar em te perder.
Não sentirei por mais ninguém o que sinto,
Mas, sei, aqui não é o meu lugar.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Nero Wolfe em "Veterinários demais"

Nero Wolfe é um detetive de ficção criado por Rex Stout. Meu detetive predileto.

Por isso mesmo, dá nome ao meu gato.

O meu Nero Wolfe está internado há uma semana, a custos tremendos, com os quais já não posso mais arcar.

Agora precisará ainda de uma cirurgia e prótese especial, e corre sério risco de vida. Não tenho coragem de agir de outro modo senão fazendo de TUDO para salvá-lo. Eu quero meu filho em casa.

Por isso, se vocês souberem de algum freela – tradução inglês-português, revisão, diagramação de impresso, programação visual ou ghost writer – me avisem, por favor.

Só não estou fazendo faxina porque sou alérgica. Mas fervo um ovo que é uma beleza! =^)

sábado, 29 de janeiro de 2011

Saudação Cruz-maltina

Esse é um texto feito no calor da coisa, por uma pessoa nada nítida, depois de alguma (rs) cerveja. Desculpas adiantadas. 

Então de maneiras que foi assim...
Estávamos no Capela e o papo de Vasco surgiu.
Eu gostaria de ter pulado o capítulo. Não pelo assunto, que eu não sou de correr e tenho motivos demais pra orgulho, mas pelo desfecho.
Antes um parêntese. Eu honro o canto que diz que “trago a cruz de malta no meu peito desde que nasci! E eu não paro! Eu não paro, não paro não! A cruz de malta, religião!”. Entendido? Posso prosseguir?
Bora ver. Quais são as características de um grande clube? Seus títulos? Suas conquistas? Uma história de luta?
Quando o Luis Estevão fundou o Brasiliense, era pra ganhar tudo. Chance, oportunidade e as mãos certas bem compradas. Imagina esse time campeão do mundo com uma torcida inventada, cabendo inteira numa Kombi. Procede?
Avante. O principal ativo de um grande time é a sua torcida. Sim, ela precisa de motivos pra torcer, que valham a pena e a incentivem. E ela, quando muito motivada, incendeia os jogadores. E aí vira moto-perpétuo.
A essa altura, a discussão tinha alcançado o Dinamite e eu confessei: tenho medo de virar o América.
– Porra, minha filha, você é maluca! São anos de história!
– Mas o que eu quis dizer é que...
– Quis dizer o cacete! O Vasco nunca vai virar o América! Tá maluca!
– Mas olha só... Em 23, ninguém imaginaria o que aconteceu com o América oitenta anos depois. O que eu quero dizer é que a formação de torcida e a manutenção da figura do ídolo é importante porque as crianças...
– Ô minha filha, vai estudar! Em 23, o América não existia! Então para de falar merda!
Obedeci. Parei, depois dessa, de falar toda e qualquer coisa, inclusive.
Pedi a conta, o táxi e voltei triste pra casa.
Fui acusada de não ser vascaína o bastante por ter críticas à política estranha (que permanece, filhote da ditadura) de contratar 11 débeis, vender 17 garotos e ninguém se lembra de um ídolo real, dos fantásticos, nos últimos cinco anos – no barato. A barca do Vasco é famosa como a de Caronte. Contrata, contrata, vende, vende e o time, mesmo com elenco de mais de 30, nunca está pronto. Fui acusada de não ser vascaína por ter medo de aniquilarem, em razão de inépcia, a mais grata paixão que tenho na vida.
E ainda ouvi, quase pé-na-porta:
– Não interessa. Filho torce pro time do pai e acabou-se. A nossa torcida nunca vai morrer por isso.
E todos os dias eu vejo um filho abandonando o time da família, virando a casaca em cima do pai.
Lamento dizer. Mas qualquer torcida é passível de aniquilamento se apanhar de cinto, de vara e em riste nesse tanto. Ainda mais se, pra recuperar ferida, depender de gente assim, xiita.
E fica a dica: não olhar o próprio rabo não é defesa de paixão incondicional. É só desculpa esfarrapada pra andar por aí com a bunda suja.

PS: Antes que eu me esqueça: "minha filha" é a putaquiupariu.