sexta-feira, 28 de maio de 2010

Susto vazio

Não é sem receio que escrevo.

Não é espontâneo, nem caso pensado.

É mais espanto, susto congelado,

que obriga a fazer o que não devo.


Cada dia que passa, cada hora moldada

transformou-se em hora perdida, escoada,

como bolas de prata flutuando no vazio,

vento quente barrado pelo frio.


A aflição desdobrou-se noutra dimensão

quando sentei os pensamentos na calçada:

perto do tempo infinito do lado de dentro,

o que voa por fora não serve pra nada.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Canto de acordar

Quantos barcos atracaram
E eu?
Eu não era cais. Era mar.
Quantas galés afundaram
E eu?
Eu não era mar. Era o Vento.
Quantas jangadas lançadas
E eu?
Eu não era espaço. Era o Tempo.
Quanta ampulheta virada
E eu?
Eu não era areia. Era medo.
Tantas pegadas marcadas,
Tanta mancha roxa,
Tanta porrada,
E eu não era o rosto. Era o tapa.
A vida deixando as marcas na memória
E eu?
Eu sou história.

domingo, 2 de maio de 2010

DEFENSORIA

Não acorde o que não viu dormir.
Não lamente o que não viu sangrar.
Não ressinta o que jamais restou,
não me peça um pouco mais do que acabou...

Não ajunte os sentimentos maus,
Não desminta o bem que me negou.
Esqueça de outro verso do passado,
Ponha a culpa de lado,
Apague o que passou.

Cerre os dentes, em silêncio,
Engula a raiva
De me ver acalentada
Noutro amor sem ser o teu.

Foi pouco, foi por pouco,
Quase nada.
E agora, acostumada, sigo a estrada.
Mas já sei
O castigo, o pior,
O mais antigo:
No couro em que nascer, o asno há de morrer.

São cores, são dores,
Do amor que não me deu.
São flores, amores
Que jamais terás nos braços meus.