quinta-feira, 3 de março de 2011

Nero Wolfe em "Amigos demais"

Nero Wolfe é um detetive de ficção criado por Rex Stout. Meu detetive predileto. Por isso mesmo, dá nome ao meu gato.

Queridos,

Atualizando as notícias de Wolfe. Meu filho foi operado. Foi necessária uma penectomia. São Google salva, eu tenho nervoso só de explicar. Mas garanto: era estritamente necessário.

Como há mais dois gatos e um labrador em casa, era preciso resguardá-lo. Até porque ele estava de abajur, e entupido de opiáceo. De maneiras que (apud Luis Filipe, sempre) foi preciso deixá-lo no único lugar da casa que oferecia condições: o banheiro. Prazo inicial: dez dias. Prazo efetivo, por conta de fim de semana, agenda de veterinário etc.: 15 dias. Adivinhem quando ele começou a reclamar? 11º dia. É um gentleman, acordo é acordo, ora (sem) bolas!

Hoje ele tirou os pontos e foi liberado da clausura. Nossa miúda rotina voltou ao normal. Ele, que é meu Solal des Solal, o senhor do meu castelo, veio, pela primeira vez em um mês e meio, receber-me na chegada. Ele e sua indisfarçável nova mancha branca no pescoço, marcada no meio do veludo negro entre a quarta internação e a cirurgia, aquela que não vai nos deixar esquecer. Dessa vez, esperou ainda do alto da escada, como se quisesse se fazer ver, mostrar-se grande, provar que toma conta de mim. Fui ao banheiro, ele atrás, todo o ritual cumprido: rodeou minha perna esquerda e a direita depois, sentou, me paquerou com aquele olhar indizível de bom-filhadaputa, ronronou, subiu as patas dianteiras nos meus joelhos, olhou ainda mais intensamente, pediu beijos e virou esfinge enquanto eu terminava de lavar as mãos.

Entrei no quarto, ele, atrás. Num gesto rápido, exibindo sua condição de macho (quem fizer piada com a cirurgia não sabe nada do amor) e de cuidador recuperado, subiu na cama, afofou o travesseiro e mostrou o quanto estava feliz e ansioso por dormir pela primeira vez em meses com a mamãe.

Já chorando feito uma vaca, eu me lembrei de agradecer.

Ao meu pai, por ter entendido não desistir. Milena, é nós tudo muito coisa. À Gisele Giornes, pelo conjunto da obra. À Renata, meu arrimo. Ao Edu, compadre amado, pela campanha e por ser verbo de permanência, não de estado. Ana Lucia, porque mãe é coca-cola e é isso aí. Bel e Cecília, porque é preciso muito amor. Thaís, véia, por emergência de madrugada (beijo pra tia, que eu nem sei o nome, obrigada, obrigada). Ao Sérgio F., por nunca deixar de perguntar. A todos os veterinários que sempre reconheceram que ele é especial, que meu filho não é desse mundo. À Pati Borde, porque não é toda esperança equilibrista que tem rede embaixo. Mari Ervilha, pelas ofertas puras e genuínas. Vicente, pelos abraços. Suelen, por fazer a Enterprise viajar na Dobra. Ao Luidi, a reconfortante onisciência. Marcela, ah!, flor de ouvidos permanentes... À equipe maravilhosa da qual eu faço parte, e que teve, IMPRESSIONANTEMENTE SEMPRE, uma palavra boa, um gesto de preocupação, um afago pra dar. E ao Rodrigo, por devolver meus sorrisos quando tudo parecia fadado a falhar.

Meu filho, meus amores, está em casa.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Trilha sonora para emoções pré-carnavalescas

CRAVO E FERRADURA

(Cristóvão Bastos - Aldir Blanc)

Primeiro foi um som leve
de peneira peneirando
o mar de ideias de um louco,
a água dentro do coco,
foi crescendo entre palmeiras
e tambores batucando.

Um balbucio, um rugido
um som de tragédia e circo,
som de linha de pesca,
som de torno e maçarico.
Veio um som de escavadeira,
bate-estaca, britadeira,
um som que machuca e lanha,
um som de lata de banha.
Som de caco, som de tralha,
era um som de mutilados
quebrando gesso e muleta,
um som de festa e batalha.

Ah, era um som que me orgulhava,
som de ralé e gentalha,
era o som dos prisioneiros,
som dos exus catimbeiros,
ai!, era o som da canalha:
trovão, corda, baticum,
som de cravo e ferradura
Dez mil cavalos de Ogum!

Esse é o som da minha terra:
som de andaime despencando,
de encosta desmoronando,
de rios violentando
as margens do meu limite.
Samba, samba, samba,
pulsas em tudo que existe,
vazas se meu sangue escorre,
nasces de tudo o que morre.