terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

A Voz Do Silêncio - Marta Medeiros





Pior do que a voz que cala,
é um silêncio que fala.

Simples, rápido! E quanta força!

Imediatamente me veio à cabeça situações
em que o silêncio me disse verdades terríveis,
pois você sabe, o silêncio não é dado a amenidades.
Um telefone mudo. Um e-mail que não chega.
Um encontro onde nenhum dos dois abre a boca.

Silêncios que falam sobre desinteresse,
esquecimento, recusas.

Quantas coisas são ditas na quietude,
depois de uma discussão.
O perdão não vem, nem um beijo,
nem uma gargalhada
para acabar com o clima de tensão.

Só ele permanece imutável,
o silêncio, a ante-sala do fim.

É mil vezes preferível uma voz que diga coisas
que a gente não quer ouvir,
pois ao menos as palavras que são ditas
indicam uma tentativa de entendimento.

Cordas vocais em funcionamento
articulam argumentos,
expõem suas queixas, jogam limpo.
Já o silêncio arquiteta planos
que não são compartilhados.
Quando nada é dito, nada fica combinado.

Quantas vezes, numa discussão histérica,
ouvimos um dos dois gritar:
"Diz alguma coisa, mas não fica
aí parado me olhando!"

É o silêncio de um, mandando más notícias
para o desespero do outro.

É claro que há muitas situações
em que o silêncio é bem-vindo.
Para um cara que trabalha
com uma britadeira na rua,
o silêncio é um bálsamo.
Para a professora de uma creche,
o silêncio é um presente.
Para os seguranças de um show de rock,
o silêncio é um sonho.

Mesmo no amor,
quando a relação é sólida e madura,
o silêncio a dois não incomoda,
pois é o silêncio da paz.

O único silêncio que perturba,
é aquele que fala.

E fala alto.

É quando ninguém bate à nossa porta,
não há emails na caixa de entrada
não há recados na secretária eletrônica
e mesmo assim, você entende a mensagem.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Não põe corda no meu bloco

PLATAFORMA
João Bosco e Aldir Blanc

Não põe corda no meu bloco
Nem vem com teu carro-chefe
Não dá ordem ao pessoal
Não traz lema nem divisa
Que a gente não precisa
Que organizem nosso carnaval
Não sou candidato a nada
Meu negócio é madrugada
Mas meu coração não se conforma
O meu peito é do contra
E por isso mete bronca
Nesse samba-plataforma
Por um bloco que derrube esse coreto
Por passistas à vontade
Que não dancem o minueto
Por um bloco sem bandeira ou fingimento
Que balance e abagunce
O desfile e o julgamento
Por um bloco que aumente o movimento
Que sacuda e arrebente
O cordão de isolamento.
Não põe no meu.


Não põe corda no meu bloco
(Chico Alencar)

O Brasil é o país do carnaval. Além de título de livro do Jorge Amado, essa é uma marca cantada em prosa e verso por muitos poetas e músicos que engrandecem a nossa cultura. Recife, Olinda, Salvador, entre tantas outras cidades brasileiras, sempre tiveram grande expressão na imensa festa popular que recobre por inteiro o nosso território.
No entanto, vale reivindicar para os cariocas um lugar de destaque na constelação festiva. Lembrando o hino da Velha Guarda da Portela, segundo o qual "o nosso teor não é humilhar a ninguém", o carnaval do Rio de Janeiro é uma festa popular maravilhosa.
As festas populares, na história da humanidade, são sempre denúncia e anúncio. Denúncia, pelo riso e pela ironia, de tudo que entristece a vida, machuca as pessoas, suja o mundo e encarece o pão: fome, doença, opressão. Anúncio do céu na terra que há de vir, com um planeta solidário e justo, costurado em festa, trabalho e afeição. Os seres humanos, ao longo do tempo, comemoram colheitas, chegadas de primaveras, independências, fim de guerras, negação de inferno. O carnaval, no Brasil, também nasceu assim: a válvula de escape oferecida pelos senhores de escravos, nos dias que antecediam a Quaresma, foi se transformando em folguedo, folia, celebração da liberdade e da alegria de viver.
O povo, que mói no áspero o ano inteiro, ocupa as ruas com seu inesgotável estoque de alegria. E faz a festa do portentoso descarrego para as agruras de um cotidiano pesado e difícil. O desafogo é cronometrado, mas o que nele transborda é a alegoria da liberdade, que faz de Momo o único rei que a multidão aceita. Até quarta-feira, quando tudo volta ao normal, o que prevalece é a festa reveladora da vitalidade perene da presença popular. Nela se manifesta, como aspiração de uma vida melhor e mais feliz, aquilo que o cronista João do Rio chamava de "alma encantadora das ruas".
O carnaval do Rio é o carnaval de rua. O carioca, de nascimento ou adoção, é versado em resistir, insistir e não desistir da vida plena. Em matéria de resistência cultural, o Rio é um bloco em cada esquina. O Cordão do Bola Preta, símbolo maior, e a Banda de Ipanema, com Leila Diniz de eterna rainha, abrem a lista. Na seqüência interminável, uma infinidade de nomes onde a festa popular monta trincheiras de combate. Pela ordem da antiguidade: Clube do Samba, do saudoso João Nogueira, Barbas e Simpatia é Quase Amor. Em seguida, Suvaco de Cristo, Bloco de Segunda, Escravos da Mauá, Imprensa que eu Gamo, Meu Bem eu Volto Já, Nem Muda nem sai de Cima, Carmelitas e tantos outros. O Cordão do Boitatá, com seus maxixes na Praça Quinze, o Céu na Terra, que faz jus ao nome, o Rancho Flor do Sereno, no Bip Bip do Alfredinho. Os metais e frevos do Bloco da Ansiedade, a festa das crianças no Gigantes da Lira e o batuque familiar do Bagunça meu Coreto, além da promessa potencial do Esse é o Bom, mas Ninguém Sabe. São tantos, centenas ou milhares, e a cada ano surgem outros tantos: Marcangalhas,Vem ni mim Qui Sou Facinha, Badalo, Largo do Machado mas não Largo do Copo...
Nos blocos de rua do Rio de Janeiro não existe cordão de isolamento nem se exige abadá: é só chegar, com a "moeda" da fantasia inventada na hora e a disposição de entrega harmoniosa ao festival coletivo. Alegria não paga entrada. A cidade do samba, nos dias de carnaval, é a cidade inteira. Mais do que no espetáculo grandioso do Sambódromo, aprisionado pelo esquema empresarial da Liga que controla o desfile oficial, é nas ruas e becos da cidade que sobrevive e se alimenta o espírito libertário do carnaval carioca. Sem tal espírito, a materialidade da Sapucaí se desmancharia no ar. O concreto aparente, a parafernália eletrônica que monopoliza a transmissão, a grana que se reproduz nos desvãos da festa, além das celebridades siliconadas, são camadas superpostas sobre a força cultural do samba carioca. Até os grandes sambistas, músicos, passistas e carnavalescos que lá se apresentam sabem disto. Espantado com o aparato do espetáculo, um samba da velha guarda afirma nostálgico: "Portela / conheço teu passado / pertenço a tua raiz / no tempo da simplicidade eras mais feliz".
Oswald de Andrade, em seu "Primeiro Caderno de Aluno de Poesia", define a mescla na qual se origina a festa carnavalesca onde o Brasil se reconhece. Segundo ele, o Zé Pereira chegou de caravela e perguntou para o guarani da mata virgem: "sois cristão?" Recebeu como resposta sincopada: "Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da Morte. Teterê, tetê, Quizá, Quizá, Quecê. Depois o negro zonzo saído da fornalha tomou a palavra e respondeu: "Sim, pela graça de Deus. Canhem Babá, Canhem Babá, Cum Cum! E fizeram o Carnaval". Os filhos da mata virgem, os filhos dos Quilombos e Quizombas, os filhos do sapateiro Zé Pereira formam as raízes que fazem do carnaval carioca uma festa popular maravilhosa. Evoé, Momo!

Agradeço a atenção,
Sala das Sessões, 18 de fevereiro de 2009.
Chico Alencar
Deputado Federal, PSOL/RJ