segunda-feira, 2 de maio de 2005

Dezoito horas de soluço

O Jornalista escreve (sic) para uma publicação semanal. Tem um orgulho danado. A maioria dos seus conhecidos de faculdade não está trabalhando em veículo nenhum ou estão montando uma empresa de assessoria ou estão desmontando uma empresa de assessoria. A maioria dos seus colegas de trabalho não tem metade das qualificações (sic) que o Jornalista tem. Cursos no exterior. Pós-graduação. Inglês avançado. Francês. Italiano macarrônico e espanhol etimológico. Implante de cabelo. Jaquetas de porcelana. Mantém uma rotina de trabalho rigorosa: acorda às oito, toma seu café da manhã: cereais, frutas e complementos vitamínicos. Lê (sic) os seis maiores jornais em circulação do país, sobe na esteira elétrica em frente à tv – ligada no canal de notícias, claro – pega o telefone e começa a peregrinação das fontes (sic). O Jornalista tem muitas fontes. Da ABI, passando pela Câmara dos Deputados e pelos barraqueiros da praia em frente a seu apartamento recém-comprado, o Jornalista tem muitas fontes.

Antes das onze, o Jornalista já fez e recebeu 34 telefonemas, 8 faxes, caminhou uma hora, correu mais trinta minutos, está exausto. Um informante se recusa a abrir o bico e ele tem certeza de que a pista é quente. É preciso conseguir a informação. Liga pra um deputado, mas a fonte não tem rabo preso com o partido. Então será preciso inventar, ops, esquentar (sic) a notícia. Vida estressante essa, o Jornalista ainda vai acabar com gastrite. Pra relaxar, dois pesos de cinco quilos, exercícios de tríceps junto com mais cinco ligações, marcando com os amigos um programinha pra noite, o quinto da semana e ainda é terça-feira.

O Jornalista é casado (sic). Dizem que a mulher é prima, engravidou de um investidor podre de rico, extremamente bem relacionado, que tem laços com um ex-presidente. Ninguém consegue provar (sic) nada. O Jornalista tem muitas fontes.

Depois do almoço é hora de começar a escrever (sic). A estagiária-secretária-revisora chega pontualmente às catorze horas todos os dias. Os dois então recolhem toda a informação despejada na caixa de correio eletrônico, juntam com os telefonemas, aí ele decide quais os nomes não podem ser revelados ainda, escolhe de quem vão falar mal dessa vez e ela, do alto de seus recém-completos dezenove anos redige (sic) tudo, revisa e encaminha pro editor. Está pronta mais uma obra-prima do polemismo nacional. Não fosse o detalhe de, apesar de vaidoso, ter medo de câmera, a gente podia jurar que o Jornalista trabalha (sic) naquela tal revista de maior circulação do país. Segundas e quintas, quando a Mulher do Jornalista faz aula particular de pintura com um artista jovem de muito futuro (sic), a Estagiária fica até mais tarde (sic).

Pontualmente às duas da manhã, o Jornalista toma dois uísques, um Pantoprazol, um Rivotril, se enfia no pijama de flanela, abre seu novo volume do Paulo Coelho e vai dormir sonhando com o dia em que vai estar por cima do William Bonner. Ou não necessariamente nessa ordem. Sic!

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