terça-feira, 7 de março de 2006

Enteléquia ou Juris et de jure

...eu juro que eu não queria que fosse assim, sempre foi tão importante na minha vida, me faz uma falta absurda, mas e quando sou eu que canso, quando sou eu que não agüento mais, quando sou eu que desmorono, quando a voz não alcança nem pedir socorro, quem vem com riso doce me abraçar, quem me faz rir de piada besta, quem me conta causo esdrúxulo, quem me põe pra passear em carrossel de canudinho, com guarda-chuva e tudo, quem me cobre de promessa, quem me abandona sozinha no exercício do fim-do-mundo, quem me só tem pena, eu sei, eu sei que essa é que sempre foi a verdade, o tal atual presente com sabor antigo tão distante agora é que era fantasioso, imagina, interessado no que eu dizia, sendo amigo de uma pessoinha tão pequena, desinteressante, incompetente, dismórfica, tou pra ver projeto mais mal-feito e errado do que eu, e sempre foi lindo, até quando ainda não era lindo era, sempre teve sorriso de abraço e olho de vaga-lume, lume, lume, vago na memória, se meu irmão tivesse aqui me respondia, que ele era elegante, e ia saber contar direitinho tudo da frente pra trás, capaz até de ouvir dele o que não conseguiria ouvir de ninguém, e pior que eu errei foi tudo, quando achei demais me disse foi de menos, quando achei de menos me acusou de desmedida, quando fiquei quieta fui estranha e quando estrilei era tarde, e, faz favor, o título, poupe a ladainha.

Estás, meu amigo, coberto de razão, isto é um fato, porque ao contrário do teu coração enorme, que ainda consegues fazer crescer mais e mais a cada dia, ao contrário do teu, o meu desaprendeu de todo.

Eu nunca esqueço nada.




7 comentários:

Anônimo disse...

Alvíssaras... Não estava agüentando mais de tanta artroscopia.

Szegeri | 09.03.2006 - 13:19 pm

Anônimo disse...

Eu nunca esqueço nada.

Minha cara. Acabo de ler o seu texto com o enorme abraço pelas letras nas linhas, e venho escrever-lhe cordialmente. Sabendo que foi sempre sincera, senti-me afagado do poder em atualizar; muito obrigado, Mariana. O texto é derradeiro; já não estou em idade de paginas literárias nem outras. O meu receio é que fizesse a alguém perguntar por que não parou o antigo, mas se tal não é a impressão que ele deixa, melhor. Creio que nao a compreendi bem, segundo o que me diz em um ponto do texto. Eu vou desaprendendo, ainda que de todo: “Eu nunca esqueco nada.” Você me dirá o que lhe parece.
Insisto em dizer que é o seu texto; além de franco e sincero. Há meses estou repousando dos trabalhos, da musica, com licença dos livros, e não sei quando voltarei a eles. Junte a isto ao vazio inteligente..
É bom, é indispensável voce reclamar e culpar-se para o lugar que lhe cabe, e para isso os serviços em nossa língua que se prestam, tao bem, não serão menos importantes que os puramente literários. Realmente é triste, ver-nos considerados, como voce nota, em posição subalterna à temporalidade; tudo efêmero, insignificante, ligeiro, passageiro e você será assim mais uma vez a voz da alma. Um abraço pelas distinções que aqui tem dito e que são para nos o inteiro amigo. Não é verdade que a nossa gente esquecerá, falamos muita vez a este respeito e recordei dias passados. Se não lhe escrever é porque a vida agora é absorvente, com as grandes cidade e afluência de muitos estranhos. A vida vai andando, nem sempre e com tao poucos. A sua idéia relativamente as linhas apresente é bonita. Falei dela a um amigo, que concordou; mas o que pensa é melhor consultar primeiro ao tempo; parece-lhe que o passageiro pode não querer; se quiser, parece fácil. Há vaga, mas quem sabe se não as serao tuas? Rindo.
Coisas da alma eh lindo texto num coracao em desalinho.
Um forte abraco
Joao
Anonymous | 18.03.2006 - 18:00 pm |

Anônimo disse...

Joao, fiquei sem fala.
Como me senti ora abraçada, ora açoitada por tua mensagem... na alma, bem entendido.
Desaprender e esquecer são coisas mui distintas. Palavra, por sua natureza, nunca é derradeira.
Eu também repouso. Porque o tempo nunca me responde, só me acena, de longe, com um sorriso sarcástico no canto da boca.
Um abraço pelo sincera, outro por tua mensagem e ainda outro pelo riso.
;)
Mariana | 19.03.2006 - 21:26 pm |

Anônimo disse...

Voce: "Eu também repouso. Porque o tempo nunca me responde, só me acena, de longe, com um sorriso sarcástico no canto da boca."
Eu: Naao sei porque me lembrei do
Paulo M.Campos

Ele:
Eu sou o homem-fantasma. Tenho carne, tenho ossos, tenho identidade, mas pertencem ao outro. Sou o detetive do outro, buscando no ar os rastos de meus crimes suaves, caçando nas ruas os vestígios de mim. Outrora morei num reino à beira-mar. Rosas floriam no Flamengo, jovens eram os arranha-céus e os telefones, os recados me chegavam do Largo do Boticário, do bar do Palace, do Joá, dos terreiros de Mangueira. Todos me chamavam, todos me queriam. Hoje não moro mais, estou só, curvo, com a minha sombra cobrindo uma última parede a demolir. Procuro e não encontro os meus verões passados. Havia um Rio transverberado e quente, quase me lembro. E mulheres. Flora, Taís, Heloísa, onde estão as grandes regatas da enseada, os balões de junho, as casuarinas, os móveis de mogno, o gorgorão escarlate, a umbela do Viático, as cheganças de Natal, as madrugadas diabólicas do High Life, onde estou eu? Perdi-me na esquina da rua Gonçalves Dias em 1928, desabei com o Morro do Castelo, afoguei-me nos mangues de 35. Meus parentes emigraram na brisa da boca-da-noite, meu avô quis proteger meu futuro nos serões de São Cristóvão, meus tios morreram tuberculosos, minha avó virou folha seca do Outeiro da Glória, minha mãe virou pedra em Botafogo, minhas namoradas, baças, desbotadas, foram removidas ex-ofício para o planalto de Goiás. Oh, quase me lembro, e quanto, dos caranguejos e violinos duma noite impermeável, da cocaína elegante, do Alcazar na Rua da Vala, das ressacas nos rochedos do Leblon, das resinas aromáticas na Igreja da Boa Morte, dos veludos fulvos da Imperial, das tardes olímpicas de São Januário, do gol de Valido, dos meninos que gritavam A Noite, das vésperas de amor, dos crepúsculos engasgados, dos refrigerantes das calçadas, dos meus chapéus de palha, dos meus bigodes eternos, do meu smoking a refulgir como rosa que se anuncia no espelho do quarto. Não sei quando nasci. Talvez no tempo dos capoeiras do Monturo, quando o Delfim ficou doido, quando morreu o Nilo. Tenho 30? 40? 60? 90? Ou há 395 anos existo? 395 anos de absurdas luminárias e aspérrima solidão. Às vezes, não eu, mas a cidade, sou a cidade; desfiz-me em todos os acontecimentos da cidade: fui o suicídio de Boca do Mato, o estupro da Floresta da Tijuca, a amendoeira do Morro da Viúva, os pardais da amendoeira do Morro da Viúva, o capim vadio de Vila Isabel, a Rua do Ouvidor com o seu enfado feliz, o mendigo de São Francisco de Paula, o carnaval da Galeria, a Rua da Misericórdia com as suas placas orvalhadas, os Arcos, a nave da Candelária com o seu gigantesco defunto, os liquens da palmeira real, o claustro de São Bento, o Livramento, o Arpoador, o Morro da Babilônia. Fui a revolta do marinheiro preto, o quebra-quebra, a greve, o grito do estudante, o soluço no Terreiro da Polé, as favelas com seus partos de
Joao | 22.04.2006 - 0:29 am | #

Anônimo disse...

Seguindo;...
, as favelas com seus partos de dor, a faca da fome, a mutilação dos miseráveis, o despertar chuvoso dos subúrbios, o Beco dos Barbeiros, a Saúde, fui coágulo de sangue, porta de necrotério, mão magra de menino negro, barraco derrubado na tormenta. Estive em todos os pratos vazios, nos cárceres do Estado Novo, estive no desespero de todas as gamboas, e ao longo das épocas brancas de cal assombrei os corredores da Santa Casa com os meus uivos, como uiva a Lua Cheia através das grades de todas as prisões. Meu pai, meu pobre pai emoldurado desde 1920 num retrato do Passeio Público... Onde estou, meu pai, para onde vou? — Não estás, nem vais, meu filho: ficas. És apenas o fantasma dum fantasma. Desfiz-me nas areias que a ventania levantou em 1918, evolei-me no sermão de lágrimas do Carmo, diluí-me nos serenos do Largo da Lapa, desapareci com o ponto de cem réis, dissolvi-me em vinhos franceses, incendiei-me na cauda do cometa Halley, perdi minha rota nos nevoeiros de setembro, corroí-me nas maresias da barra, esvaí-me em tosse, esbati-me em treva, desbaratei-me nas encruzilhadas da macumba, fui mastigado pelos peixes, desintegrei-me numa catástrofe aérea, esfarelaram-me as unhas dos agiotas, atassalharam-me as marretas imobiliárias, sufocaram-me os malignos, beberam-me as sanguessugas, roeram-me os caninos dos vereadores, expungiram-me as mãos de ávidas estrangeiras. Meu pai, meu pai! — Viraste nuvem, meu filho, viraste chuva, escorreste pelos telhados, pelas calhas, pelas manilhas debaixo da terra, desapareceste para sempre no mar oceano.

Se acaso, por um momento, teu coração, como o de teu pai, ficar vazio, arruma a casa, abre a janela, põe tua roupa nova — para que o vento a caminho, mais uma vez, te arrebate vivo.
*** Fotógrafo de parque faz instantâneo de eternidade
Joao | 22.04.2006 - 0:33 am |

B. disse...

RECUPERANDO OS COMENTÁRIOS

... aos poucos e, ainda assim, só alguns... :(

Anônimo disse...

Pra completar a informação:
O texto se chama
CANTO FÚNEBRE DO CARIOCA
e está no livro "Homenzinho na Ventania", Editora do Autor – Rio de Janeiro, 1962, pág.60.