sábado, 9 de agosto de 2008

NÃO ME DEIXE SORRIR

Segurou firme na mão da amiga e pediu:
– Não me deixe sorrir.
– Tá louca?
– Falando sério.
– Por quê?
– Não quero dar mole pra malandro. Quero que ele me veja assim maravilhosa, por cima da carne-seca. Desde que eu descobri que ele tem vindo aqui, estou planejando esse momento. Quero esfregar na cara como estou serena e tranqüila, bem mesmo.
– E como você sabe se ele vem?
– Minhas fontes são as melhores.
– E vai ficar sem sorrir? Com cara de manga?
– Manga...
– Chupada.
– Ô, quem dera. Não é cara fechada, tonta. É serenidade e elegância. Agora disfarça, acho que é ele ali na porta, chegou! Deixa eu me sentar desse lado. E se eu começar de risinho, já sabe: me belisca.
– Você que sabe.
– Hi, ele parou na outra mesa.
– Qual?
– Ali, na esquerda.
– Aonde? No banheiro?
– A outra esquerda. Atrás da pilastra.
– Você tá vendo de costas e atrás da pilastra?
– Pelo espelho, merda. Olha direito você, que está de frente.
– Ah, tá. E aqueles, quem são?
– Nunca vi. Devem ser amigos do escritório.
– E você não conhece ninguém?
– Não.
– E todos aqueles almoços e festas?
– Nunca fui.
– Toda hora tinha um evento ou compromisso social...
– Sei de nada.
– Você nunca foi ou ele nunca te levou?
– Cala a boca.
– Bonita a mulher.
– Qual delas?
– Aquela do lado de quem ele sentou.
– Uma velha de azul?
– Não, uma ninfeta de vermelho. A que ele está abraçando.
– Abraçando?
– E beijando.
– Como, beijando? Na boca?
– Perfeitamente.
– Ah, mas claro, selinho de amigo, lógico.
– Se aquilo é selinho-amigo, tá na hora d’eu começar a ir pro Maracanã com o Osvaldo.
– Mas de que lado você está?!? Você deve estar enganada. Vou me virar.
– Eu-você não faria isso.
– Por quê?!?
– Porque ele tirou uma caixinha de veludo do bolso...
– ... !!!
– ... e está de joelhos, na frente do grupo todo.
– Esses aplausos?
– São pra eles.
– Você só pode estar brincando.
– Nunca se brinca com tantos quilates.
– É de brilhante???
– Brilhante é o fundo das minhas panelas. Aquilo é uma agressão.
– A mim! A mim! Ele nunca me deu sequer um tíquete-refeição!!
– E você aturava? Bem feito.
- Pára de enrolar! E agora? O que eles estão fazendo?
– Brindando de pé, traças entrelaçadas...
– Não é possível...
– ... e recebendo os parabéns.
– Mas não tem bem nem três meses! E nós ficamos juntos por dois anos e ele nunca propôs!
– Amiga, vou te dizer: ele propôs, submeteu, deferiu, registrou e entregou.
– Eu não consigo acreditar.
– Melhor você acreditar e rápido.
– Como assim?
– Ele tá vindo pra cá.
– Queísso!!
– E já te viu.
– Ele vai me ver como rosto inchado de choro, com jeito de arrasada, obviamente de-ses-pe-ra-da?
– Melhor botar um sorriso aí depressinha, porque ele vem, meio sem graça, com a melhor pinta de cumprir obrigação social, mas vem...
– Mas graça onde? Sorrir de que? Como?!
– Não sei! Quer que eu te belisque?!?