— Então você vai?
— Vou.
— Jura?
— E precisa?
— Claro!
— Então eu juro.
— Vou ficar esperando.
— Já estou ansioso.
— Eu também. Mas olha...
— Diz...
— ... não conta pra ninguém. Por favor. Se meu marido descobre, nem sei.
— Segredo nosso.
— Anotou o endereço?
— Aqui, no bolso.
— Então até domingo.
Solano havia conhecido a Teresa num baile de carnaval. Lembra que ela entrou no salão vestida de “Cumunjarim-gombê” e que seu coração chegou a estancar de susto. Era a coisa mais linda que ele já tinha visto na vida. Solano perdeu a fala. Quase um metro e oitenta de perdição, pernas longas, uma elegância indizível, pele brilhante, olhos grandes e profundos, boca carnuda. Os cabelos longos de trancinhas lhe caíam pelas costas. Observou a Teresa atravessar o salão, acompanhada de cinco amigas que mais pareciam amas de uma rainha. Não tirou os olhos dela durante todo o baile, esperava uma oportunidade de conseguir se aproximar. Uma aparição. Tinha que conseguir algum contato, esperaria o tempo que fosse necessário.
Esperou por oito anos. Durante o baile, não conseguiu chegar nem perto, tremia dos pés à cabeça. Nem pensava mais nessas coisas (mentira, porque toda vez que pisava na bola com mulher ele lembrava da covardia do baile) e ia tranqüilo pela rua Conde de Bonfim quando deu de cara com a Teresa.
Com medo de ter que arrastar outro retumbante fracasso pelo resto da vida, tomou coragem e foi em frente. Ela foi simpática, o rosto dele não era estranho, irmão da Zizinha, claro, como vai, tudo bem e você, lembra do baile, fantasia bonita a sua... pois é, casei, dois meninos, eu continuo solteiro... advogado, bióloga... chopinho, não posso demorar, só unzinho, tá, mas eu sou fraca, qualquer coisa eu te levo, olha lá... feliz de todo, sempre quer mais, eu sei, morar longe tem muito a ver com isso, quando você volta pra lá, domingo à noite, e teu marido, tá me esperando lá, não vai sentir saudades do Brasil, não pretendo voltar nunca mais... tomar mais um, mas já foram vários...eu arrastava um bonde por você, naquela época já tinha metrô, eu faria qualquer coisa que você pedisse, mentira que você nem chegou perto de mim e tremia todo, você percebeu, eu não tirava os olhos de você, como que eu não vi, idiota, também não precisa ofender... sua irmã é que sabe, mas desde a quinta série, pra você ver, eu não acredito, meu coração disparou só de lembrar, é mesmo, põe a mão pra você ver... pára, só mais um, aqui não, deixa disso, e se algum conhecido aparece, a gente disfarça, vamos marcar em outro lugar, mas quando, domingo, que horas, depois do almoço, antes d’eu ir pro aeroporto, onde, na casa de uma amiga que está viajando, e a chave, eu tenho cópia pra emergência, deixa eu anotar o endereço, então você vai?
Solano pôs a Teresa num táxi com a sensação de que não ia sobreviver a uma espera de quarenta e oito horas.
Domingo, Solano acorda com o telefone.
— Solano? Tá dormindo ainda? Mas já é meio-dia!
— ...kjhiudsabmmmmmm...
— Acorda, Solano. É o Jão. A gente combinou, lembra? É hoje que o Edmundo se apresenta! A gente ainda tem que ir pegar as faixas e os instrumentos na casa do Chupeta. Ele nunca lembra de molhar as latas antes, deve estar tudo quente ainda.
— Jão! Já é meio-dia?
— E quinze.
— Ai, Jesus.
— Jesus não. Dez minutos. Dez minutos são só o que te resta, eu tou chegando. Vaaascoo!
Solano andava de um lado pro outro, sem saber o que fazer. Ia ligar pra Teresa e desmarcar. Chegava um pouco mais tarde, pronto. No papel do endereço não tinha telefone. E agora? Ele esqueceu de pegar o telefone! Mané. O próprio em pessoa. E o Jão tava chegando! Era isso, ele ia com o Jão, marcava um tempo e depois corria pro tal apartamento. Saía de fininho, os caras nem iam perceber.
Quando o jogo terminou, Solano estava completamente rouco. O Animal, na sua estréia tinha marcado todos os cinco gols do Vasco e entrava para a seleta “galeria dos quíntuplos”, da qual já fazia parte o Dinamite. Cinco gols numa partida! Abraçado aos amigos, feliz da vida, Solano cantava o hino. Foi o Jão que cortou o barato.
— É isso aí, tudo muito bem, mas tá na hora de comemorar. Vamos todos pro Estephanio’s, a essa hora deve ter um belo dum pessoal lá.
— Hora? Que hora que é essa, Jão?
— Seis e meia.
Solano sentiu a cabeça rodar. Teresa, a essa altura, já devia estar no aeroporto. Saiu correndo pela rua engarrafada, catou um táxi e prometeu gorjeta se chegassem em vinte minutos no Tom Jobim. No setor de embarque, atropelou duas crianças, um casal de idosos, vários carrinhos de bagagem até que viu a Teresa na fila do check-in. Parecia uma artista de cinema, com uma echarpe de seda cobrindo os cabelos e de óculos escuros.
— Posso ver sua passagem, senhor? Não vai viajar? Nesse caso, o senhor deve permanecer atrás deste cordão.
— Teresa! Teresa, eu posso explicar. Me dá uma chance. Aconteceu uma coisa incrível hoje!
— Vá embora. Eu não quero vê-lo nunca mais!
— O Edmundo, Teresa!
— Quem?
— Foram cinco!
— Tiros?
Ela ameaçou se aproximar.
— Gols!
— Hein?
— O Edmundo fez cinco gols!
Solano viu o corpo dela enrijecer, o peito subia e descia e o lábio inferior deu uma tremidinha. Teresa deu meia volta e desapareceu no corredor de embarque.
Ele sabia que tinha arriscado demais. Era tudo ou nada. Talvez tivesse perdido a mulher da sua vida. Mas mané autêntico sempre deixa passar essas oportunidades. A Sheila Carvalho também não estava ao alcance e ele não deixara de viver por isso. Pelo menos ele não ia precisar passar o resto da vida ouvindo os amigos esfregarem na cara a façanha histórica do Animal. E fazendo questão de lembrá-lo de que a efemeridade de um par de pernas não vale a eternidade do Vasco da Gama.
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