"O escuro é onde a gente vê o que não está lá. Vem quando a mamãe diz: "Boa noite, dorme direitinho, meu filhinho" e apaga a luz. Aí a gente só sente os barulhos e fica pensando noutras coisas completamente diferentes daquelas que tem no quarto quando o quarto está claro. Aí dá muito medo e a gente chora até que a mãe da gente volta e acende a luz e o escuro sai pro corredor."
Millôr Fernandes
Millôr Fernandes
Acordei sem querer
Era um calor de lascar.
Mesmo o sol do meio-dia,
Velho, feio e mormorrento
Não dava tino de levantar.
Gritei o menino na rua
Pra hora de engalanar
O tempo, a vida e a fome
Num prato de farinha crua:
Mal e mal se come, já some.
Arrasto os pés e a vassoura
Tá mesmo um calor infernal
Pinduro a saia e a trouxa
Roupa pra bater no quintal.
Nem bem a saudade começa,
O choro no tanque me alcança
Eu sei que esse homem não volta
Mas podia arredar da lembrança.
Tão claro esse raio de dia,
tão escuro eu vejo agora
E o resto todinho de depois.
É como não tivesse nascer:
Só me cresce na vista o sol se pôr
Ficar sempre escuro, e o maldito, maldito calor.
O que eu quero enxergar no momento
É quando que o escuro de dentro
vai fugir pro corredor...
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