terça-feira, 6 de setembro de 2005

TOLEDIANDO (às vésperas de um mês)



Eu toledeio todo dia.

Não, eu não me lembro do dia em que nos conhecemos. Não me lembro da primeira vez que ele me chamou de irmãzinha, sempre com a asa protetora sobre a minha cabeça. Não sei contar quantas brigas foram compradas um pelo outro. Ele chegou, sorriu, venceu meu coração e depois eu chorei. E o nosso amor de irmão mostrou que veio pra ficar por toda a vida, mesmo quando minha loucura insista em discutir por discutir, só pra sustentar opinião. Hoje é mesmo a saudade que diz quem tinha razão. Sempre achei que ser irmão era isso mesmo, essa admiração, esse olhar orgulhoso quando ouvia frase inteligente – e olha que eu ficava orgulhosa o tempo todo - , um sem-fim de coisas pra dividir e aprender. A gente enxerga mal. Tem língua presa. Perdoa e tem acesso de fúria. A gente gosta de madrugada e se pela de medo do tamanho que ela tem. A gente sofre pela Síndrome de Veríssimo, não vai dar tempo de ler tudo que a gente gostaria de ler... A gente confia demais. Sofre demais. Irmão briga também. Eu varri mágoa debaixo do tapete. Joguei muito Steinhaeger no meio da rua. Fui arrastada pra casa, “pra pensar melhor”. Pedia socorro e ele vinha sempre imediatamente. Às vezes ele chegava antes mesmo do pedido. Dizia que precisava cuidar da minha instrução, que eu era um pouco burra às vezes, olha como era bonzinho comigo, eu um poço de ignorânça... meu irmão amado, o Girassol. Eu nem sei como foi essa escolha do Fausto pelo Girassol (vou postar esse texto-homenagem, publicado no JB, aqui depois), mas pra mim foi uma coisa muito louca. Girassol é uma das minhas prediletas. Não dá pra dizer que ele fosse diurno, matinal, refrescante como Soda Limonada, mas sempre procurou a luz. Sozinho. Aos trancos e barrancos, Fernando Toledo procurava a luz e achava. Por dentro das próprias veias, no meio do nada, atolado até os senões de vazios. Sozinho. Eu tentei ajudar um pouco, infantilmente diante de tanta lua. Briguei muito. Eu sustentei conversa absurda de madrugada pra fazer meu irmão dormir. Consertava camisa pra fora da calça e mandava engraxar os sapatos. Perdi cabelos pensando “onde esse puto se enfiou” quando sumia, na maioria das vezes ele sumia pra dentro de um livro, e a minha cabeça rodrigueana pensando sempre as maiores tragédias e ele aparecia no dia seguinte no telefone dizendo sempre: “-Senhorita Mariana Blanc? Teu irmão!” e eu ia dar uma choradinha num canto depois, desbordando o excesso de afeto. Faltei - piadinha familiar - 97 dos 16 almoços marcados na casa dele pra não ver a solidão, pra não enfrentar minha pequenez diante dum sujeito que viu todos os demônios dos infernos e fez questão de rir de cada um. Quando a Áurea, a mulher da vida dele, o grande amor, chegou, eu nem acreditei. Tinha uma flor no caminho, do tamanho do meu Girassol, que ia cuidar, que ia proteger, e ela fez tanto, se eu hoje tenho consolo na paz de espírito da partida, ela é a única responsável... eu guardo o primeiro sorriso dela no Estephanio’s até hoje, “vem, Mari, eu quero que você conheça... e me diga o que você acha”... eu acho que não podia ter acontecido nada, NADA melhor. Virou minha amada também. Silencio o resto dela, e a Dona Sõnia e o Seu Levi, Paulo e Carla, por absoluta impossibilidade nessa hora.
Irmãozinho, eu queria fazer soneto, serenata, eu queria escrever um Ulisses de Fernando. Eu queria achar sentido pra tua passagem, pra esse atalho na Terra. Mas eu, por hora, só encontro as poucas páginas dos livros que vc me deu, um disparate de ausência e a surdez da saudade abissal que eu sinto. Encontro um profundo arrependimento das conversas que a gente não teve, das viagens que não fez, do amigo mais justo e desprendido que tive na vida. Pela terceira vez a Conspiração me mostra Perda maiúscula. E eu ainda não aprendi o que fazer com essa merda. Deve ter arco-íris em algum lugar e eu espero vê-lo-ver-te em breve.



Se é tarde, irmão, me perdoa... eu vinha só cansada...

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