- Aaloou?
- Quem fala?
- Quer falar com quem?
- Sr. Paulo?
- Ele.
- Boa tarde, Seu Paulo. Permita que eu me identifique. Meu nome é Marisa e eu sou voluntária...
- Minha filha, não dá não. Tou no trânsito e vou levar multa se ficar aqui parado com o celular na mão. Uma outra hora, sim? Obrigado.
Trim. Trim.
- Alô?
- Sr. Paulo?
- Ele.
- É a Marisa, seu Paulo. Gostaria que o senhor me escutasse por um momento...
- Ai... eu já falei pra vc que agora não dá.
- Eu preciso falar com o senhor sobre...
- Será possível? Não me interessa, não posso ajudar. Se for doação, tou precisando de uma. Meu cartão de crédito tá bloqueado, não tenho cheque, não faço compras pela internet e estou contente com o meu jornal. Tá bom assim?
- Mas é que...
- Tenha um bom dia.
Trim. Trim. Triiiiim.
- Eu estou perdendo a paciência!
- Seu Paulo, é só um momento, por favor. É um caso de vida ou morte!
- Vou ser obrigado a desligar o meu próprio telefone!!
Trim. Trim. Triiiim.
- Não atendo e pronto.
Trim. Trim. Triiiiim. TRIIIIIM!
- Mãe! Ainda bem que é a senhora. Tem uma moça me enlouquecendo aqui no telefone, já deixei passar várias ligações e só agora que vi no bina que era o seu número, o trânsito não anda e eu...
- Paulo, cala a boca um instantinho. A moça que estava te ligando, como era o nome dela?
- Ah, mãe. Telemarketing. Sei lá.
- Faz um esforço, meu filho.
- Era Valquíria. Não... Vanusa. Não. Lembrei! Marisa!
- Minha Santa Bárbara... Paulo, essa moça acabou de ligar pra cá.
- Péra, mãe, outro guarda. Perseguição, só pode. Nem em posse de comandante tem tanta farda. Agora vai, mãe. Fala.
- Paulo, essa moça é do CVV.
- Do Comando Vermelho?
- Pára esse carro, Paulo!! Pára e presta atenção! Essa moça é do CVV, Centro de Valorização da Vida! É a Sônia, Paulo, a tua mulher...
- ...
- Paulo, vai pra casa agora. Ouviste bem? Agora!
No jornal do dia seguinte, nota de pé de página, no caderno da cidade. O marido tenta se justificar. Entrou na ruazinha do Méier cantando pneu e na contra-mão, bateu no muro da casa vizinha, destruiu a frente do carro, parte do muro caiu em cima de um menino de seis anos que jogava bolinha de gude e foi internado no hospital. Saiu do carro correndo, largou a porta de casa aberta, vasculhou o primeiro andar todo gritando a esposa, subiu a escada já aos prantos, entrou no quarto e o encontrou todo revirado. Roupas pelo chão, gavetas quebradas, duas garrafas de vodka vazias, fotos rasgadas e cacos de vidro por todo canto. Gritou de novo, olhou embaixo da cama, viu o fio de água avançando pelo chão e seguiu-o até o banheiro. Não teve coragem para abrir a cortina da banheira de louça branca. Desceu, chamou o advogado, a mãe, uma equipe de reportagem e depois uma ambulância. Encontraram o celular no quintal, destruído.
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