...
[canta, Fátima, canta...]
Sussurrante é teu amor
um escafandrista tateando em mim
dramas a perder de vista.
O dom de acariciar,
profundamente feito o mar,
remexendo o que naufragou
lentamente na solidão
Falsa paz submarina
jaz entre os corais,
num barco submerso
o que eu não confesso...
Iça do abismo ardor, orgulho.
Novos tanques de mergulho
pra poder assim me resgatar
do frio verde.
Por paixão eu volto à tona
e, Atlântida entre as ondas,
solene, linda sai do mar.
Restos de um Naufrágio (Moacyr Luz / Aldir Blanc)
Cheguei a boca perto do teu ouvido enquanto você dormia pra falar baixinho, pra contar baixinho, pra confessar em quase silêncio que estou indo embora outra vez. Novidade nenhuma, meu pavio é do tamanho do meu tempo. Vontade eu tinha de simplesmente sair-me, sem coisa nenhuma pra confessar. Porém não consegui sumir sem explicação. Não que você precise entender, sou eu só, uma ventania.
Sussurrei, sentindo o cheiro bom da curva da tua nuca até o ombro - o porto draculeano das marcas tórridas deixadas pelo meu assombro -, que eu me apaixonei. Sssshhhh! Não acorda, não...
Pedi desculpas, foi fora do combinado. Quem puder controlar essas coisas que atire a primeira poesia do Vinícius... À minha revelia, meu coração me foi arrancado do peito e devolvido depois de quinze dias já encapelado, dilacerado, batendo incerto, desistente, ansiando um golpe de misericórdia pra morrer de uma vez e urgentemente.
Não quis fazer alarde. Preferi sair de fininho, eu falo demais. Minha única defesa é esta: eu não queria. Não tenho fé na humanidade, não creio no juízo alheio, desdenho dos méritos das paixões. Corro, mais que maratonista, feito diabo da cruz, de sorrisos como aqueles, de abraços como aqueles, mas não tive tempo de impedi-lo.
Manso e vagaroso como um mormaço, um escafandrista roubou a minha paz. Na teoria, ele liberta navios enredados, cuida pra que possam atracar em segurança e no entanto, ao invés de livre, me vi seqüestrada. Lá embaixo, não consegui respirar, faltou fôlego e eu me afoguei. Gritei por Santa Bárbara, me salva dessa tempestade, aquieta a fúria dessas ondas, afasta os solavancos desses ventos, Santa Bárbara, ilumina a escuridão! A santa nada pode fazer, o mar estava amainado. A tempestade era do lado de dentro. No fundo remexido do meu oceano, areia, cascalho, restos de estrelas e de sonhos, turvaram a minha visão, mas meus velhos olhos há muito não me enganam: a chuva não vai parar. Parada fiquei eu, sôfrega, a sotavento do futuro.
Meus naufrágios já esquecidos, meu arrojos já na praia e o escafandrista veio recolhendo tudo. No meio da voragem, percebi que ficaria presa na contracosta, suspensa em ceifa inútil. Eu não queria. Nem os desvarios, nem as confissões, nem os arroubos no meio da rua com abraços de comercial de Molico, nem tanta juventude, nem tanto frescor e brilho, meus dias já correm pra trás e...
Foi o teu olhar. E as tuas mãos, já sábias demais pra um escafandrista tão tolo. Pronto, confessei. Paciência. Sssshhhh! Pronto, pronto, dorme...
Talvez eu não sirva mesmo. Arribadeiros e bucaneiros rimam, mas não combinam. Saiba apenas que cada tremulina, cada espraiar de espuma há de te lembrar: uma embarcação precisa cumprir seu destino de seguir por todos os mares. E não apenas rodear em verão e lua prata num remanso de águas cristalinas.
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